Miguel Praia, o adeus de um pioneiro português
Aos 37 anos, e após 21 anos de carreira, Miguel Praia decidiu terminar o seu percurso como piloto profissional e dedicar-se a outros projetos pessoais. Numa entrevista exclusiva ao AutoSport e MotoSport, o homem que foi durante anos a referência portuguesa no motociclismo internacional admite com franqueza que o salto para um Campeonato do Mundo será sempre penoso para um piloto português. Aqui fica a primeira parte da entrevista.
Qual foi o momento que te levou a dizer “É a altura certa. Vou parar e perseguir outros objetivos na vida”?
Na verdade, desde 2009 que concilio a atividade desportiva com uma atividade laboral normal, algo que mais nenhum piloto no paddock fazia e que de certa forma me retirava o foco total nas competições. Mas acho que sempre consegui conciliar minimamente os treinos com o trabalho e as longas deslocações. Quando fui pai pela primeira vez acho que perdi parte da agressividade necessária para ultrapassar no limite ou conseguir arriscar sempre um pouco mais, algo que no motociclismo é fulcral.
First things first: explica-me como é que foi a tua vida desde a saída de Portalegre rumo ao Algarve e como é que descobriste o mundo do motociclismo.
Nasci em Portalegre mas rapidamente os meus pais se mudaram primeiro para o Norte e finalmente para o Algarve, região onde cresci e onde nasceu a paixão pelas duas rodas. Comecei realmente a gostar de motos através dos passeios com o meu irmão mais velho e do convívio com os seus amigos. Como o meu irmão trabalhava de noite, durante a manhã eu aproveitava para andar na sua moto sem ele saber, e normalmente eram motos muito rápidas. Foi também o meu irmão que começou a correr e claro que eu o acompanhava todas as provas. Daí até à minha primeira corrida foi um ‘salto’.
Que diferenças havia na conjuntura do motociclismo de velocidade em Portugal na altura, comparando com os dias de hoje?
Era muito diferente. Para quem morava no Algarve era particularmente difícil. Normalmente trabalhávamos até às 22h00 no restaurante dos meus pais, para viajar de seguida até Braga, chegar lá às 7 da manhã e saltar de imediato para a pista. E como nós, todos faziam enormes sacrifícios para estarem nas corridas de motos, demonstrando uma tremenda paixão pela modalidade. Hoje em dia, para além de termos um excelente autódromo no Algarve, o acesso à pista é bem mais regular e barato, através das dezenas de track days organizados nos três circuitos nacionais.
Nesses tempos as escolas estavam repletas de motos nos parques de estacionamento e as vendas estavam em alta. Não havia tantos shoppings, redes sociais, smartphones e as corridas não eram transmitidas. Acho que agora as pessoas estão mais acomodadas, deslocam-se menos, sociabilizam menos e isso afeta claramente o número de público. Além disso, por falta de estratégia desportiva o número de praticantes estão constantemente a baixar para patamares nunca antes vistos.
Como é que foi a tua evolução em Portugal antes do ‘salto’ para as corridas internacionais?
Eu comecei nas 125 Produção, vencendo a minha primeira corrida em 1997 com a Aprilia-Moto Marão e ingressando em 2000 no “Challenge Aprilia 125cc”, no qual fui vice-campeão. Em 2001 estreei-me no Troféu Honda CBR que venci dois anos consecutivos (algo inédito na altura) e realizando algumas provas internacionais em Macau e no Campeonato da Europa. Foi em algumas dessas corridas que fizemos boas performances que, mais tarde, se iriam revelar importantes para os passos que se seguiram.
Falaste no Facebook da importância do teu irmão e mais tarde de Jorge Castro. Podes explicar exatamente a que te referias?
O meu irmão por ter sido o responsável pelo meu início nas corridas e pela paixão das duas rodas. O seu desaparecimento inesperado, em virtude de um acidente de moto, deu-me uma tremenda motivação para conquistar campeonatos e vitórias em sua homenagem. Era como uma faísca que ardia dentro de mim para o alcançar.
O Jorge Castro foi a pessoa que através das suas equipas e contactos me conseguiu dar excelentes meios desde o Challenge Aprilia até ao meu último Campeonato Nacional no Troféu CBR. Sem isso não sei se teria chegado à internacionalização.
Mencionaste uma prova onde estavas de 600cc entre as 1000cc, como a do Luís Carreira, e onde fizeste a pole, volta mais rápida e lideraste até à penúltima volta. Onde e como foi esse momento?
Em 2003, após a conquista do Troféu Honda CBR 600 RR, tínhamos uma tremenda vontade de nos medir com os melhores da categoria-rainha e assim foi. Na penúltima prova do Nacional em Braga, após a corrida do Troféu CBR inscrevemos a mesma moto junto das poderosas 1000cc e fizemos algo impensável. Pole position, liderança quase na totalidade, volta mais rápida e quase uma vitória. Essa demonstração de rapidez com uma 600cc totalmente de série foi talvez o fator-chave para a aposta que algumas empresas e marcas fizeram em mim a nível internacional. Até porque nessa corrida estavam presentes os maiores nomes da Velocidade nessa geração: Luís Carreira, José Leite e Rui Reigoto, por exemplo.
Que outros pilotos portugueses consideras que também tinham talento suficiente para uma carreira internacional?
É difícil responder a essa questão pois só conhecemos realmente a capacidade e o ‘estofo’ de um piloto quando o colocamos fora da sua zona de conforto, sem conhecer um circuito e batalhando contra uma concorrência feroz. As coisas acontecem sempre por uma determinada razão. Eu acredito mais no trabalho do que na sorte e quando existe talento para dar e vender, esse piloto chegará sempre a uma carreira internacional, poderá é levar mais tempo. As pessoas em Portugal perdem demasiado tempo a criticar o adversário e não podem ficar à espera que o telefone toque ou que o email chegue. É preciso arregaçar as mangas, colocar uma mochila às costas, ir bater às portas das equipas e sponsors, treinar muito, mesmo muito, e nunca desistir. No meu caso, acho que foi essa postura que marcou a diferença.
(Em breve, no MotoSport, a segunda parte da entrevista a Miguel Praia)
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