MotoGP, história: Os anos de Freddie Spencer

Por a 19 Março 2020 16:00

Continuamos a nossa série de múltiplos vencedores do Mundial com a história de um homem que, apesar de ter vencido “apenas” 2 títulos de 500, em 1983 e 1985, alguns ainda descrevem como o mais puro talento de sempre…

Frederic Burdette Spencer, de Shreveport, no Estado americano da Louisiana, começou a correr bastante novo, aos 4 anos, e virou profissional igualmente cedo, quando alguém descobriu o seu prodigioso talento para derrapar a frente sob controlo e ler diminutas variações da aderência da pista de uma sessão de treinos para a seguinte, à medida que o traçado acumulava borracha e permitia explorar mais a inclinação da moto em velocidade.

Os anos de Spencer no Mundial foram fulgurantes, subindo como uma estrela cadente e desaparecendo a seguir de forma quase vergonhosa com uma série de falhanços inexplicáveis para um piloto que tinha dominado tanto e tão cedo.

Spencer foi a dada altura o mais jovem vencedor do Mundial de 500, permanecendo o único na era moderna a vencer – e a contestar, já agora – os títulos de 250 e 500 no mesmo ano, em 1885, saltando de uma para a outra, com tudo o que isso implica de absorver e lidar com diferenças entre pontos de travagem, trajetórias e zonas de aceleração, entre sessões de treinos.

A seu tempo, estas capacidades iriam torna-lo imbatível na sua época. De Spencer, diz-se que não corria contra os outros, corria contra ele próprio, e os rivais eram meros empecilhos que se metiam à sua frente e tinha que passar a caminho de se superar a si próprio.

Tímido, abstémio e profundamente crente, era um estranho alienígena que se colocava aparte num paddock do início dos anos 80, que era feito de excessos, de namoradas glamorosas, peripécias que não podiam ser relatadas pelos jornalistas e que envolviam quase sempre arruinar carros alugados e cometer ilegalidades várias nos tempos mortos dos GPs…

A sua relação com os preparadores era igualmente misteriosa… diz-se que nunca se queixava, e o grande mago Erv Kanemoto, nipo-americano que formou Jeremy Burgess e dirigia a HRC antes do Australiano, tinha uma capacidade inaudita de interpretar os seus mais pequenos comentários e transformá-los em mudanças relevantes na afinação da moto… Mas, afinada ou não, Spencer só sabia pilotar de uma maneira: a fundo.

A sua ascensão através das Superbikes americanas foi lendária, recordando-me a história contada em primeira mão por Steve McLaughlin, criador do Mundial de SBK e então manager/piloto da Honda, de quando contratou o adolescente de 19 anos para a Honda América em 1980:

“Eu tinha budget, alugava Daytona por uma semana para treinar, passava lá dias com o Baldwin e eu a rodar e o Spencer, nem vê-lo… no último dia, chegou, e disse: “ponham uns pneus nisso” com ar de desprezo e duas voltas depois, tinha batido o recorde da pista…! E eu julgava que andava menos mal, apeteceu-me ir para casa!”

Nesse ano, deu à Honda a primeira vitória em Superbikes e daí ao mundial foi um passinho, vindo a ganhar o título em 1983, contra forte oposição de Kenny Roberts e substituindo o grande Mike Hailwood como o mais jovem Campeão Mundial de 500.
Spencer e Roberts ganharam igual número de corridas, 6 cada, mas Spencer só ficou fora do pódio uma vez, na Alemanha, e levaria o título por 2 pontos sobre Roberts!

No ano seguinte, 1984, a Honda alinhou com uma NSR tão estranha, em que os escapes passavam por cima do “depósito” e este se situava sob o motor, que a moto passou toda a época com problemas e apesar de 3 vitórias nela, Spencer foi apenas 4º.

Começando 1985 com vitória em Daytona, ou melhor, uma tripla vitória em todas as categorias, Spencer viria então a realizar o feito inédito de competir e vencer ambas as categorias de 250 e 500 no mesmo ano. Nas 250, ganhou 7 das 12 corridas e bateu facilmente Anton Mang, e nas 500, o mesmo número de vitórias mas só 2 corridas sem pontuar deram-lhe igualmente o título.

A partir daí, incrivelmente, Spencer estava queimado… regressou ainda em 1989 e 1993 mas só para protagonizar uma série de desistências vergonhosas: era uma lente de contacto que tinha caído, o tendão do braço que lhe doía, a viseira embaciada…

O ainda jovem Spencer – tinha apenas 27 anos mas parecia flácido e fora de forma – nunca mais venceria um GP… embora ainda tenha feito várias épocas no Campeonato Americano de Superbike18, notavelmente com uma Honda RC30 da Two Brothers e com uma Ducati.

Hoje, vive em Londres e comenta o Mundial para várias entidades com autoridade e conhecimento íntimo  da pilotagem.

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