MotoGP – Rivalidades: Quando as coisas aquecem 2ª parte
A lista de rivalidades na sexagenária história do Mundial de Motociclismo é longa e o duelo entre Valentino Rossi e Marc Márquez no MotoGP junta-se a outros que envolveram nomes como Hailwood e Agostini, Rainey e Schwantz ou Capirossi e Harada que foram muito mais do que simples adversários em pista…
Eddie Lawson vs Wayne Gardner
Eddie Lawson e Wayne Gardner gostavam tanto um do outro que a seguinte história é verídica. Em 1988, a Yamaha e a Honda estabeleceram um pacto para trazerem o Mundial de Motociclismo de volta aos Estados Unidos (inclusive dividiram as despesas de obras na pista de Laguna Seca). Pelo meio os dois gigantes japoneses elaboraram uma campanha de segurança destinada a motociclistas. Como parte do acordo, cada uma deveria enviar o seu piloto-estrela para uma sessão fotográfica em Las Vegas. A Yamaha enviou Lawson; a Honda enviou Gardner. Só havia um problema: Lawson e Gardner detestavam-se. Nos últimos anos, o norte-americano e o australiano tinham dominado o Mundial de 500cc depois de Gardner ter sucedido a Freddie Spencer como ‘ponta-de-lança’ da Honda. Lawson, por outro lado, tinha sido campeão em 1984 e 1986 com a Yamaha, antes do (único) título de Gardner em 1987.
Durante a sessão fotográfica – cerca de uma hora – os dois estiveram em pé, a centímetros um do outro, nas mais diversas poses para as câmaras… sem nunca trocarem uma palavra. Uma das poses – que deu origem a uma fotografia emblemática, que é possível encontrar na Internet – exigia que os dois estivessem literalmente cara-a-cara, com os olhos cravados um no outro. E o responsável pela sessão disse que saiu do estúdio incrédulo com o ambiente entre duas estrelas pagas a peso de ouro e idolatradas por milhões…
Na prática, Lawson e Gardner partilharam os dois primeiros lugares em provas do Mundial por 20 vezes (o americano venceu 11, o australiano venceu 9). O australiano ficou chocado quando a Honda-Rothmans contratou o seu arqui-rival em 1989, embora a NSR500 de Lawson fosse preparada pelo lendário Erv Kanemoto. O californiano foi campeão e tornou-se o primeiro (e, até Valentino Rossi, o único) piloto a ser campeão em anos consecutivos com marcas diferentes. Gardner, por outro lado, fraturou uma perna no GP dos Estados Unidos desse ano e só pôde assistir do sofá ao apogeu de ‘Steady Eddie’.
Wayne Rainey vs Kevin Schwantz
Tal como Senna e Prost, a rivalidade entre Schwantz e Rainey apaixonou multidões pelo contraste filosófico entre o brilhantismo e a consistência, entre a manobra de génio e o método implacável, entre a fogosidade que decide um Grande Prémio e o calculismo que ganha campeonatos.
O mais interessante na relação entre Schwantz e Rainey é que os duelos entre si começaram muito antes da chegada de ambos ao Mundial de 500cc, em 1986 e 1988 respectivamente. Schwantz e Rainey já eram ferozes adversários nas Superbikes norte-americanas – com o futuro piloto da Yamaha a ser campeão em 1987 após intensa disputa com o texano – e no Desafio Transatlântico em Inglaterra, uma espécie de corridas das estrelas com alguns dos melhores pilotos americanos e europeus. Mas foi verdadeiramente nos Grandes Prémios que as coisas aqueceram, com Schwantz a entrar no Mundial com a Suzuki e Rainey com a equipa Yamaha de ‘King’ Kenny Roberts.
As travagens no limite e ultrapassagens fabulosas de Schwantz conquistaram uma legião equiparável à de Valentino Rossi uma década depois; o estilo impecável e a mistura letal de talento e determinação valeram três títulos mundiais a Rainey… que estava a caminho do quarto antes do fatídico acidente em Misano. Por muito que Schwantz fosse mais popular, Rainey era o mais bem sucedido e isso deixava o texano fora de si, principalmente quando a Suzuki não produzia uma moto suficientemente competitiva (principalmente com falta de velocidade de ponta). Mas é só procurar no YouTube e surgem dezenas de vídeos com duelos para a eternidade entre dois gigantes do motociclismo. Tal como Senna e Prost com a Fórmula 1, Schwantz e Rainey elevaram o Mundial de Motociclismo a algo que transcendia uma competição desportiva: durante anos foi uma telenovela.
Loris Capirossi vs Tetsuya Harada
Se acha que o toque entre Valentino Rossi e Marc Márquez em Sepang foi polémico, procure imagens daquilo que Loris Capirossi fez a Tetsuya Harada na discussão pelo título mundial de 250cc em 1998. O italiano – que estava nas quarto-de-litro depois de já ter passado pela classe-rainha – era companheiro de Harada na equipa oficial da Aprilia e chegava à última prova da época (Argentina) com quatro pontos de vantagem sobre o japonês.
Com Valentino Rossi a liderar a corrida, o título parecia entregue a Harada na última volta pois o japonês era segundo com vários metros de vantagem sobre Capirossi. Mas eis que ‘Capirex’ inventa uma travagem kamikaze e leva a moto do seu rival para a gravilha, que não teve outra hipótese se não cair. O italiano conseguiu terminar em segundo – atrás de Rossi –, foi despedido pela própria Aprilia mas garantiu o título da forma mais polémica que se possa imaginar… Ou quase. É que oito anos antes Capirossi foi campeão das 125cc de forma igualmente polémica, quando os compatriotas Fausto Gresini, Bruno Casanova e Doriano Romboni bloquearam o rival Hans Spaan durante várias voltas – frustrando o holandês ao ponto deste ter dado um murro em Gresini – e permitindo que Capirossi ganhasse uma vantagem crucial para ser campeão. ‘Italian Mafia’ em todo o seu esplendor.
Jorge Lorenzo vs Marc Márquez
A hipótese de Marc Márquez preferir que Jorge Lorenzo fosse campeão em vez de Valentino Rossi assume contornos irónicos. Na sua primeira época no MotoGP, em 2013, o jovem prodígio da Honda e o lendário italiano eram amigos, ao ponto de Márquez ter visitado algumas vezes o rancho de Rossi em Tavullia, ao mesmo tempo que desenvolvia uma rivalidade feroz com Jorge Lorenzo.
O maiorquino era o campeão em título do MotoGP quando o furacão Márquez tomou o MotoGP de assalto. A histórica época de 2013 fica marcada por momentos como o GP de Jerez, quando Lorenzo e Márquez têm um famoso confronto em pista que leva o piloto da Yamaha a recusar cumprimentar o seu compatriota no parque fechado e a abanar o dedo em sinal de reprovação pela manobra ‘musculada’. A temporada de 2014 foi bem mais desequilibrada (com as incríveis 10 vitórias consecutivas do mais jovem campeão da história do MotoGP) e não se repetiram os duelos Márquez-Lorenzo. Entretanto, a relação entre ambos começava a ficar normalizada enquanto a de Márquez com Rossi esfriava…