MotoGP à Lupa, 2020: 1- A aerodinâmica

Por a 7 Dezembro 2020 17:00

Iniciamos hoje uma nova série de artigos técnicos, que irão cobrir os aspectos mais importantes de uma MotoGP e explicá-los, quer no seu propósito e desenvolvimento, quer em como se integram no todo

o grande desafio da aerodinâmica é contrariar a tendência da moto para levantar a frente sob aceleração

Vamos começar esta série olhando para um dos aspetos que ajuda a tornar uma MotoGP num bólide de 340 quilómetros hora, a coisa mais rápida em competição a tão importante aerodinâmica.

Utilizada nos carros praticamente desde sempre, certamente em termos de competição, do início dos anos 60, a aerodinâmica era uma área praticamente ignorada em termos das duas rodas.

Quando muito pensou-se inicialmente no efeito do deslocação de ar sobre a superfície da moto e necessidade de, por um lado, dirigir ar fresco às partes mais quentes do motor, e por outro, esconder o piloto atrás de uma bolha de ar que interferisse menos com a deslocação de ar.

Assim surgiram as primeiras carenagens arredondadas, com o aparecimento de todo o tipo de tentativas que hoje nos parecem um bocado risíveis.

Na era moderna de MotoGP, porém, com as motos a debitarem cerca de 240 cavalos, a aerodinâmica, embora continue a procurar integrar o mais possível o corpo do piloto num todo aerodinâmico, que procura cortar mais eficientemente o ar, tem outra função.

Quando as diferenças se medem, cada vez mais, em milésimas de segundo, o grande desafio da aerodinâmica é contrariar a tendência da moto para levantar a frente sob aceleração, um efeito indesejado de libertar toda aquela potência numa máquina de 157 quilos.

A parte da aerodinâmica que se ocupa de minimizar a resistência à deslocação de ar e, portanto, dar um coeficiente de penetração o mais baixo possível, resulta de qualquer modo fácil de resolver atualmente, perante os modernos métodos de modelagem em computador com programas de CAD que simulam o que se passaria num túnel de vento.

Há muito que um e outro são usados para acomodar pilotos de diferentes alturas e estruturas.

Em 2018, porém, a Ducati viria ressuscitar uma coisa que já tinha sido experimentada antes, inclusivamente na MV Agusta dos anos 60, que eram as aletas aerodinâmicas, pequenas asas do lado da carenagem frontal da moto que visavam ajudar a comprimir a dianteira contra o asfalto e portanto dar mais eficiência ao pneu na inserção em curva.

As primeiras versões foram consideradas muito agressivas, como verdadeiras facas espetadas para o lado, prontas a lesionar outro piloto, ou o próprio piloto da moto numa queda, e foram rapidamente banidas, passando as regras a exigir que fossem encerradas em si próprias, o que deu origem às modernas aletas com uma configuração dupla, como se fosse um biplano.

Mas a coisa não ficou por aí porque, no princípio de 2019, o fértil cérebro de Gigi Dall’Igna da Ducati concebeu uma carenagem minúscula no final traseiro da quilha e à frente da roda traseira para completar o efeito.

Esta teria a dupla função de carregar a traseira contra o solo, e ao mesmo tempo de afastar água em caso de chuva, ou dirigir ar fresco ao pneu traseiro. Aliás, é natural que a engenhoca tenha começado por ser apenas um deflector de água, usado só à chuva, mas depois, com os dados recolhidos, cedo os engenheiros se aperceberam do seu potencial como ajuda à aerodinâmica.

Noutra altura falaremos dos pneus e da sua importância fundamental no conjunto duma moto de MotoGP mas por agora, basta dizer que é óbvio que grande parte da degradação dos pneus provém do sobreaquecimento dos mesmos.

Se o pneu dianteiro está diretamente no fluxo de ar e portanto o problema se resolve por si, quanto mais velocidade, mais efeito refrigerador, só já o traseiro não só está escondido atrás da massa da carnagem e do corpo do piloto, mas ainda recebe, inevitavelmente, um fluxo de ar quente do motor imediatamente à sua frente.

Segue-se que a capacidade de dirigir ar fresco para essa zona, e de alguma maneira manter a temperatura da superfície do pneu sob controlo, passou a ser desejável.

Por outro lado, é fácil de ver que diferentes configurações dessa aleta, mais ou menos penetrante, mais ou menos horizontal, mais larga ou mais estreita, iriam produzir diferentes efeitos.
Assim, podiam ser usadas, além de no caso de chuva para desviar alguma da água levantada na pista da superfície do pneu, pelo contrário, no seco, para além de refrigerar (a desculpa da sua introdução segundo a Ducati, em nome da “segurança”) para carregar a traseira contra o solo.

Quanto às aletas dianteiras, evoluíram para um ponto em que todas as motos as utilizam, algumas de uma forma mais evidente e agressiva como a Aprilia, onde toma a forma de um verdadeiro aileron tipo Fórmula 1, colocado à frente com certeza influência do gestor da equipa Máximo Rivola, que veio justamente da Fórmula 1, ou no caso da Honda e Yamaha, mais discreto.

O seu efeito foi visto quando, numa colisão com a Suzuki em que uma se perdeu, Rins passou a descrever a moto a seguir como “inguiável”.

Após alguma controvérsia inicial que chegou a gerar protestos sobre a utilização da apêndices aerodinâmicos, o uso das aletas foi regulado e hoje em dia todas as motos apresentam alguma forma de asas na dianteira para comprimir a frente contra o solo, que acaba por ser, neste momento, vencida a guerra dos problemas de penetração, o aspeto mais importante da aerodinâmica numa máquina de MotoGP!

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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HMonteiro
HMonteiro
4 anos atrás

Bom artigo…bem que devem ter sentido necessidade das asas na entrada da meta do AIA!

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