MotoGP, 2020, Técnica: Misano, o quintal dos quatro em linha
Analisando as razões técnicas, mesmo sem aprofundar muito, vemos que o tão-falado domínio Yamaha em Misano foi mais um domínio dos motores 4 em linha das Yamaha e Suzuki, que conseguem aproveitar melhor as características do novo Michelin traseiro que os V4 das KTM, Aprilia ou Honda.
Contemplando o desempenho das várias marcas no grande Prémio de San Marino, vemos que afinal o domínio da Yamaha não foi tanto um domínio Yamaha, mas sim mais um domínio dos motores 4 em linha sobre os V4. De facto o que passou por ser um domínio da Yamaha, que se traduziu por ter todas as suas 4 motos nos primeiros 4 lugares da grelha e depois 3 nos primeiros 6 na corrida, passa a 5 de 6 se incluirmos as Suzuki.
Pelo contrário, todas as motos com configuração de motor V4 estiveram em dificuldade no dia, mas a única que está a imprimir andamento neste momento é a KTM, que por isso pareceu mais prejudicada. Já nunca esperamos que a Aprilia ande nos lugares da frente, e estes dias nem a Honda, desde que Marc Márquez ficou de fora.
Já explicaremos mais adiante como esta diferença de configuração foi fundamental para os resultados em San Marino e como ao mesmo tempo foi exacerbada pelas características do novo Michelin traseiro, que tem muito mais aderência do que os pilotos estavam habituados a ter da marca francesa.
O novo traseiro Michelin, que provocou problemas de habituação em toda a grelha, mas pelos vistos mais nas Ducati oficiais, oferece mais aderência que o dianteiro, ao contrário do que se passava na era Bridgestone. Segue que as motos derrapam de frente repentinamente, assustador e quase impossível de controlar.
Até Marc Márquez foi apanhado por isso, a resultante lesão a acabar as suas esperanças e as da Honda, que dependia maioritariamente do Espanhol para resultados vencedores em 2020.
Isto em vez da mais previsível e salvável derrapagem traseira, que até um piloto médio (e há algum desses na MotoGP?) controla facilmente…
Para pilotos em habituação, ou marcas menos desenvolvidas, leia-se Aprilia e KTM, isto é desconcertante a ponto de fazer o piloto perder confiança após sucessivas quedas… Crutchlow, Zarco, Lecuona e até, ultimamente Quartararo, todo sofreram disso…
Isto, a menos que seja um piloto que não sabe melhor e aceita isso como normal, temperando-o com agressividade, tal como Bagnaia ou Binder.
Por outro lado, esta aderência melhorada da traseira favorece as quatro em linha.
Já referimos aqui várias vezes a superior velocidade em curva proporcionada pelo chassis das Suzuki e Yamaha: A primeira é muito forte a meio da curva e na saída em aceleração na aresta do pneu (lembram-se da primeira vitória de Rins em Silverstone, para não falar do pódio de Mir agora?), a segunda muito forte na inserção e ao longo de curvas longas e encadeadas, como há tantas em Misano, especialmente a famosa secção das curvas 11 e 12, que ao longo do fim-de-semana causaram tantas quedas nas várias categorias.
Porque é que isto se conjuga então com as características do Michelin traseiro para prejudicar os V4s e favorecer as tetra-cilíndricas? É que numa curva longa, a famosa triangulação da Ducati, apontar a moto e acelerar para fazer a traseira derrapar e dar a curva de uma só vez a caminho da reta seguinte, é dificultada por essa aderência extra e não pode funcionar.
Numa curva longa, a moto está muito tempo sobre inclinação máxima, e portanto apoiada na aresta exterior do pneu, exatamente o que a Yamaha e Suzuki fazem melhor. Marcas como a Ducati ou KTM, que favorecem a outra técnica, de apontar e dar gás para virar a traseira e sair em derrapagem, precisam que essa derrapagem seja gradual e controlável, e logo funcionam pior nessas circunstâncias. Um caso em que ter maior aderência é uma desvantagem!
Para mais, ao apoiar durante longos períodos na aresta exterior do pneu, vão ter deterioração mais pronunciada da borracha e dificuldades acrescidas à saída das curvas com a brutal aceleração dos V4.
Tudo isto foi tornado ainda pior pela superfície irregular de Misano, que apesar de ter alcatrão novo devido a um reasfaltamento recente, de algum modo manteve os solavancos na pista.
Não só isso deu vantagem aos homens da Academia VR46 de Valentino Rossi, que por treinar aí tão frequentemente, conhecem cada solavanco e estiveram proeminentes quer na MotoGP, quer na Moto2, mas mais uma vez favoreceu as marcas equipadas com motores quatro em linha.
É que o quatro em linha, ao ter uma cambota muito mais larga e pesada, aproveita ao máximo as forças giroscópicas que tendem a manter a moto estável numa dada direcção, opondo-se a mudança, seja ela qual for. Para ilustrar o que estamos a dizer imaginem estender os braços e agarrar uma roda de bicicleta pelo veio à vossa frente.
Se alguém agora girar essa roda, mesmo um homem forte terá considerável dificuldade em mexer os braços para virar a roda esquerda ou direita. As forças giroscópicas qeu atuam mesmo na pequena massa de um aro e pneu de bicicleta, tendem a mantê-la estável na direcção original.
Agora transponham isso para um cambota que tem talvez 50 cm de largura e pesa 9 Kg a girar a algumas 16.000 rpm e compreenderão as forças em jogo, que têm de ser contrariadas, curva após curva, pelos braços do piloto em curvas tipo gancho, mas mantém a moto estável e na trajectória nas curvas longas e suaves.
Contra isto, a cambota de um V4 é compacta e estreita, excelente para minimizar as forças giroscópicas e virar a moto de repente num pif-paf, mas a induzir menos estabilidade numa curva longa e cheia de irregularidades no alcatrão. A dianteira ressalta, desalinha, volta a aterrar fora da trajectória, o pilot puxa pela moto para corrigir e… cansa-se mais.
Assim, tivemos um fim-de-semana inteiro em que marcas como a KTM, Ducati, Aprilia, e Honda tinham dificuldade em mudar de direção e manter a trajectória, a fatura pagando-se no desgaste dos pneus e, claro, num esforço físico adicional para os pilotos, com a consequente deterioração das posições nas últimas voltas.
Uma moto que se porta melhor nos solavancos também permite manter maior velocidade em curva, (que já era uma força das Yamaha e Suzuki,) e acelerar mais suavemente à saída desta, poupando o pneu, e ainda permite ao piloto conduzir mais descontraído e descansado.
Contra isto, ao fim de umas voltas numa Ducati ou KTM, o esforço físico era brutal, como referiu Bagnaia, a única V4 perto do topo no domingo passado, que no fim da corrida disse que a sua lesão recente na perna lhe provocou muitas dores.
Claro que a grande questão agora é, com o próximo Grande Prémio disputado no mesmo traçado já seguir, o que podem fazer as marcas equipadas com motores V4 para contrariar isto?
A resposta infelizmente é: muito pouco. Embora os treinos a decorre hoje em Misano possam suavizar a diferença e uma escolha judiciosa de misturas de pneus possa minimizar este estado de coisas, marcas com a Suzuki e a Yamaha vão continuar a ter uma vantagem ao longo do próximo fim-de-semana e marcas como a Ducati, Honda, KTM e Aprilia vão continuar a ter dificuldades de afinação do chassis, tornando o próximo Grande Prémio cansativo para os seus pilotos e provavelmente continuando a polarização de marcas a que assistimos no passado fim-de-semana: Yamaha e Suzuki para a frente, Ducati, KTM, Honda e Aprilia, mais atrás.