MotoGP, 2020, Misano: Crise na Honda sem fim à vista

Por a 17 Setembro 2020 17:30

A Honda está a atravessar a pior temporada de MotoGP da história da empresa. Já por duas vezes, as motos de 2020 nem conseguiram marcar pontos e já nem um eventual regresso de Marc Márquez pode salvar esta situação desesperada.

De facto, depois de 6 das 14 corridas de 2020, o recorde da Honda é lamentável e ameaça piorar por enquanto, porque Crutchlow também vai estar ausente de Misano, e Stefan Bradl queixa-se de dormência no dedo mindinho direito e dedo anelar.

A situação antes do GP da Emilia-Romagna é tão crítica que até agora não houve um único pódio para a Honda, um resultado que entre os seis fabricantes só é comparável ao da Aprilia.

Nenhuma das Honda de fábrica de 2020 marcou pontos nos dois últimos Grandes Prémios, Cal Crutchlow ainda não obteve um lugar entre os dez primeiros, e Marc Márquez tem zero pontos devido à sua fratura no braço.

A Honda está no quinto lugar do campeonato do mundo de construtores desde o início da temporada, e no campeonato mundial de equipas, a Honda Repsol recuou, entretanto, para o 11º e último lugar. Em seis corridas, só uma das Honda RC213V de 2020 chegou ao top 10: Alex Márquez, com o 8º lugar no GP da Andaluzia.

As chefias da equipa não sabem o que fazer. O diretor da equipa da Honda Repsol, Alberto Puig, já de si irascível, está cada vez mais irritado a cada dia que passa e transmite essa raiva em entrevistas televisivas.

Recentemente, em Misano, declarou: “O nosso único problema é que o Marc Márquez está desaparecido das pistas de corridas!”

É difícil dizer se Puig acredita nas suas própria palavras. Cal Crutchlow, um triplo vencedor em MotoGP, e o Inglês de maior sucesso na classe desde Barry Sheene, raramente foi muito mais lento do que Marc Márquez na qualificação em 2019.

Às vezes até ficava muito perto dele. Mas, mais recentemente, em Misano, Crutchlow ficou a 1,4 ou 1,5 segundos do melhor tempo, embora não se tenha queixado de ser significativamente afetado pelo desconforto do braço convalescente na sexta-feira, numa única volta rápida.

Stefan Bradl também foi muito mais competitivo no ano passado com a Honda de 2019: terminou em 10º lugar na primeira corrida como substituto de Lorenzo na Saxónia.

Entretanto, na HRC, os azares não têm a ver só com os resultados. Emílio Alzamora, antigo campeão mundial de 125cc, e gestor de Marc Márquez, não esconde a sua desilusão com a forma como correu a cirurgia ao braço de Marc e a forma como, três dias depois, o regresso apressado e prematuro em Jerez foi aprovado pela Honda.

Não era preciso ser médico na altura para prever o fracasso deste regresso, porque uma fratura do úmero não é como uma clavícula partida que se cura em 15 dias.

Mas depois de seis vitórias no Mundial em seis anos, os gestores da Honda aparentemente atribuem ao seu campeão poderes extraterrestres e empolaram as capacidades médicas do Dr. Xavier Mir e da sua equipa e a competitividade da Honda de 2020, além de que subestimaram os adversários e ignoraram o facto de Marc ter sido levado ao desespero pela sua moto já no teste do Qatar, em Fevereiro (14º após o segundo dia) e nos treinos de Jerez.

Até hoje, os engenheiros da Honda não fazem ideia como tornar a lesma de 2020 mais rápida. É por isso que o piloto de testes Stefan Bradl nem foi convocado para o teste de terça-feira passada- não havia nada a testar!

Se mais prova fosse precisa, basta ver que Takaaki Nakagami obtém regularmente os melhores resultados da Honda com a moto de 2019. Mas para Crutchlow e as motos da Repsol, a “especificação de 2020” foi homologada e congelada até 2021, pelo que nem sequer podem voltar aos modelos do ano passado.

Já em 2019, Cal Crutchlow se queixava que Nakagami estava mais bem servido com o chassis de 2018, porque este dava mais sensação do limite na roda dianteira, a origem da falta de confiança de Cal. Longe de fazer cenas, o determinado Inglês tentou compensar esta fragilidade arriscando para lá do razoável, o que levou a cerca de 30 quedas e, como cada queda nunca custa menos de 2.000 Euros e pode facilmente ir aos 100.000, um buraco nas economias já de si frágeis da LCR de Lucio Cecchinello.

A Honda está a dar-se conta que a temporada de 2014, quando venceu as primeiras dez corridas da temporada de enfiada, são águas passada e a realidade agora é outra, mas não aceita qualquer crítica até agora.

O que é quase certo é que, depois desta temporada, cabeças vão rolar. Ainda por cima, como Marc Márquez assinou um contrato de quatro anos, não quererá continuar a arriscar a pele e o seu nome para sempre com uma moto inferior.

O manager Alzamora não esconde que se opôs ao regresso de Marc em Jerez e também gosta que se saiba confidencialmente que o Dr. Mir ou a administração da HRC deviam ter parado a tentativa de regresso como demasiado arriscada.

A arqui-rival Yamaha está 60 pontos à frente da Honda no Campeonato do Mundo de Marcas. Isto equivale a uma facada no coração e no orgulho do maior fabricante de motos do mundo.

Não é de estranhar que a Honda tenha previsto uma pausa de dois a três meses para Márquez em meados de agosto. A RCV caiu tanto para trás que, mesmo que estivesse apto, com a atual moto base, a super-estrela dificilmente ganharia um lugar no pódio contra a Yamaha, a Ducati, a Suzuki e a KTM.

No fundo, a Honda está agora a pagar por anos de negligência. Nos últimos oito anos, a Honda, confinado na superioridade de Márquez, é o único fabricante além da Aprilia que falhou miseravelmente em nutrir jovens talentos nas suas fileiras.

Jack Miller, Alex Rins, Joan Mir, Jorge Martin, Fabio Quartararo, Franco Morbidelli, já estiveram todos na Honda, mas os japoneses não quiseram oferecer-lhes uma moto de MotoGP, e preferiram contar com Crutchlow, de 35 anos, Nakagami, que nunca foi candidato ao título no Mundial de Moto2, e Alex Márquez, que conquistou dois títulos mundiais, mas não chega aos calcanhares do irmão.

Traçando um paralelo aos anos 80, a NSR da altura foi de tal modo moldada ao estilo feroz de Wayne Gardner, que aparte o título isolado de Lawson em 89, ninguém a conseguia domar e a marca só voltaria a vencer na era Doohan a partir de 1994!

A estratégia da Honda, com Marc Márquez como o único candidato ao título, vem funcionando há anos graças ao incrível talento de Márquez e a uma moto feita à sua maneira. Isto também porque a HRC tem um orçamento quase sem limites e com um salário de 15 a 20 milhões por ano, na maioria avançado pela Repsol, Marc nunca pensou em sair.

Porém, dinheiro não basta, é necessário know-how, e sensibilidade e capacidade de lidar com imprevistos também fazem parte da equação.

A crise do Covid tem limitado as viagens entre o Japão e a Europa, mas no Mundial de Fórmula 1, a Honda há muito que mudou o desenvolvimento dos seus motores para Milton Keynes, na região central de Inglaterra, para competir com a Mercedes e a Ferrari.

Talvez isso fizesse sentido para o Campeonato do Mundo de MotoGP há muito tempo.  Se centenas de engenheiros no Japão não conseguiram durante dois anos melhorar uma moto previamente vencedora suficientemente para que talentos como Lorenzo ou Crutchlow conseguissem andar no top 10, talvez a solução fosse recorrer a uma empresa de engenharia na Europa… mas o orgulho da Honda dificilmente o permite

Há anos que a Ducati constrói os seus chassis nas Indústrias Suter, na Suíça. A KTM está a vencer com uma mistura de motores de origem Rotax, bielas Pankl, e suspensões WP, tudo Europeu. A Aprilia bebeu muito de uma consultoria com a Cosworth no seu projecto de MotoGP.

A perda da Honda é o ganho do Campeonato, com a variedade de marcas e pilotos no pódio a tornar 2020 das mais interessantes e competitivas épocas de sempre.

Como as coisas estão, já cinco das seis corridas de MotoGP foram ganhas por pilotos que nunca antes tinham ganho na classe antes de 2020, Quartararo duas vezes, Binder, Oliveira e Morbidelli…

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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TDNM
TDNM
4 anos atrás

A Yamaha com a treta das válvulas tb já está a dar tiros nos pés.
O quartararo queixou-se a um site inglês que já não pode pilotar a mota como em Jerez e que tem que se adaptar a uma forma que não é a que ele gosta e atribuiu as suas últimas quedas a isso mesmo.
Desculpa ou não, não sei.
Os japoneses têm uma forma de pensar por vezes o incompreensível, mas na Ducati não é melhor.
O Lorenzo, que foi o último campeão do mundo de MotoGP que lá tiveram, andou meses a dizer que não se conseguia segurar na mota e eles não fizeram nada.
Quando finalmente o ouviram ele já tinha aceite a Honda e ainda ganhou duas corridas por eles.
O Márquez ao contrário do que vocês dizem, e é apenas uma opinião minha, só não teve a melhor mota no ano de mudança de eletrónica.
Aquela mota feita para ele, é a melhor mota da grelha, mesmo sendo um pesadelo para os colegas.
Com o stoner era igual.. só ele ganhou com a Ducati.
Este ano o Márquez, apesar de queixas na mota tinha o melhor ritmo de corrida para Jerez. Viu-se nos treinos e confirmou-se na recuperação que fez, era nitidamente o mais rápido numa pista que não é a melhor para a honda.. Mas para ganhar tem.wue chegar ao fim..
A estratégia da Honda é cada vez menos compreensível..
A LCR faz o que pode mas a estratégia da tech 3, str e pramac é muito mais vantajosa. A Honda é mais do que capaz de dar 4 motas do ano aos 4 pilotos mas teima em andar com motas de anos anteriores.
Penso que o campeonato teria a ganhar se se pudesse fazer uma atualização a meio da época pelo menos nos motores.
Gasta-se mais dinheiro em quedas causadas por direções erradas de desenvolvimento, escolhidas à pressa. Do que deixar fazer a atualização.. até porque as marcas estão sempre a gastar recursos em desenvolvimento contínuo.
Era algo pelo qual as equipas deviam lutar um pouco.
Quanto às Honda. Esta lixada com F. Vamos ver como vai ser qd o Márquez voltar. Dúvido que o espargaro consiga ser rápido o suficiente para bater o Márquez numa mota igual..
Cumps.

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