MotoGP, 2020, Valencia: Poderá a Honda ganhar sem Marc Marquez?

Por a 28 Outubro 2020 12:00

Ao longo dos anos, o campeoníssimo ausente deu à marca uma almofada de segurança que agora se está a provar difícil de replicar

A verdade crua e dura é que Marc Márquez habituou a Honda a ganhar com facilidade.

O seu domínio dos últimos campeonatos foi tal, que não parecia haver necessidade de gastar mais dinheiro ou recursos a desenvolver motos para os outros pilotos quando o seu principal assegurava de tal modo os títulos.

De facto, desde 2013 que com a exceção de 2015, quando Lorenzo foi vencedor, Márquez dominou totalmente a Moto GP com uma vantagem que só pode por vezes ser embaraçosa para os seus supostos rivais.

Começando em 2013, ano do seu primeiro título sobre Jorge Lorenzo, ganho por uns meros quatro pontos e acabando com um total de 334, já em 2014 o homem de Cervera vai ganhar por 362 pontos contra 295 de Rossi, um abismo de 67 pontos que significa que ele poderia nem sequer ter aparecido em duas corridas e ainda ganharia o título por 17 pontos, se Rossi vencesse, claro!

2016 foi mais do mesmo, com Márquez a bater Rossi por 49 pontos com o seu total de 298.

Em 2017 começou o Reino de vice-campeonatos de Andrea Dovizioso na Ducati e Márquez venceu por 298 contra os 261 de Dovi, uma margem de 37 pontos.

2018 viu Dovi ficar ainda mais afastado, com a vitória de Márquez em 321 pontos conta 245 do homem da Ducati, uma margem massiva de três corridas ou 76 pontos… e finalmente, o ano passado, o piloto da Honda Repsol ainda venceu por 420 pontos conta 269, uma margem de 51.

Se compararmos este 420 pontos com os 137 que Mir tem, a meras 3 corridas do final, veremos a diferença.

Este ano, após o choque inicial de Márquez sair do campeonato sem ter marcado um único ponto e ter de ser substituído por um Stefan Bradl mais habituado a comentar para a televisão alemã e a fazer papel de piloto de testes, que dificilmente iria fazer a diferença à frente do pelotão, a responsabilidade recaiu nos ombros do irmão Márquez mais novo, Alex, o Rookie a ter uma dura habituação à temperamental RC 213V.

Fora da Repsol oficial , havia também que contar com os homens da Honda LCR, que mais uma vez, dificilmente iriam fazer grande mossa das contas do campeonato quando outros pilotos e outras marcas se estavam a provar tão competitivos…

Lembremos que este foi o ano em que a Yamaha venceu as duas corridas inciais de enfiada com Quartararo, as KTM estrearam-se nas vitórias, e logo duas vezes, com Binder e Oliveira, e até aqui, nove pilotos diferentes venceram, inédito na história do campeonato tão cedo.

E, no entanto, nas duas últimas corridas, a Honda apareceu fortíssima, Crutchlow, Nakagami e Márquez lutaram por vezes na frente dos treinos, com Crutchlow a qualificar-se terceiro em Aragón e culminando na pole estreante de Nakagami uma semana depois, enquanto em ambas Alex Márquez já estava muito perto do top 10…

Por um lado, é lógico e fácil de perceber que, na ausência de Márquez, a Honda podia dedicar mais recursos aos seus outros pilotos: mais peças, mais atenção, mais tempo dos engenheiros da casa, que foram vistos com o contrastante uniforme de branco vermelho e azul do HRC a trabalhar na boxe no meio da formação da LCR uniformizada a branco, preto, vermelho e dourado.

Depois, não podemos subestimar também a evolução dos pilotos perante este novo influxo de atenção, muito especialmente Alex Márquez.

A princípio o rookie não conseguia lidar nem com velocidade, nem com a inserção em curva da Honda, um problema exacerbado pela construção mais macia do novo Michelin traseiro, que por agarrar tanto, faz com que a maior parte das derrapagens sejam de frente e portanto, quase impossíveis de recuperar, a menos que o vosso nome seja Marc Márquez.

O novo Michelin, seguindo uma técnica em que a Dunlop tinha sido pioniera com sucesso há uns anos, tem uma construção mais macia, que faz a carcaça fletir mais e achatar o pneu contra o solo, claramente visível nas fotos, dando uma superfície de contacto muito maior e, portanto, mais aderência.

Já que não podiam adaptar o pneu ao chassis, a HRC tentou de todas as maneiras adaptar o chassi ao pneu, através da electrónica, saídas de escape, admissões e afinação do chassis, experimentando até com a rigidez do quadro.

Claro que muitas dessas experiências estavam destinadas a falhar, ainda por cima confundindo um piloto menos esperiente como Márquez, configurando uma época de trabalho ingrato pela frente…

Até fornecedores externos entraram ao barulho, com a Öhlins a fornecer o seu novo garfo de carbono mais leve, já que o peso não-suspenso, (ou melhor dizendo, o rácio entre o peso suspenso e o não-suspenso) é um dos factores que mais influencia a afinação da suspensão e as sensações na moto, e o novo amortecedor traseiro Öhlins BSB50, que pareceu dar um melhor equilíbrio à tração entre frente e traseira dos pneus Michelin .

Com tudo isto, a RCV começou a sair de curvas com maior aderência de traseira, mas com a dianteira ainda firmemente agarrada ao alcatrão, que segundo Lucio Cecchinelo da LCR foi um ponto chave na confiança de Takaaki Nakagami na moto. O impressionante é que a moto de Nakagami foi atualizada com estas peças da suspensão, mas é sempre, e continua a ser, uma moto de 2019, uma geração desfasada das motos da Honda Repsol…

No entanto em cada uma das corridas em Aragón “Taka” foi o piloto mais regular e Alex Márquez veio de trás, a fazer recuperações espantosas até ao pódio e sendo em ambas o piloto mais rápido em pista a dados momentos da corrida. Antes dos seus pódios, o seu melhor resultado tinha sido um sétimo e na primeira parte do campeonato, Alex nem sequer conseguia entrar nos primeiros seis, com desistência na Estíria e San Marino e marcarndo apenas um solitário ponto pelo seu 15º em Brno.

Desde então, claro, caiu da corrida de Teruel quando recuperava até a quarta posição, mas já podemos concluir que, sem Marc Márquez,  a RC213V é uma moto mudada, que muitos podem agora usar para melhores resultados.

Quem sabe não irá já beneficiar o novo piloto da formação para 2021 Pol Espargaró, um piloto agressivo e habituado a uma mota agressiva na KTM RC 16. Para 2020, barrando a mais remota hipótese aritmética do sétimo lugar de Nakagami a 45 pontos do líder, as Honda estão afundadas na classificação, com Márquez 13º, Crutchlow 19º e Bradl 20º.

Por este ano, não há nada a fazer, mas talvez a Honda tenha aprendido a lição de não voltar a cair no mesmo erro da era Doohan de construir uma moto em redor de um piloto, que depois é inguiável para todos os outros..

Com o regresso de Marc Márquez, decerto na sua forma habitual e um novo piloto em Pol Espargaró, 2021 poderá ver o regresso em grande da marca da asa dourada…

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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