Rui Gonçalves: “Foi graças ao apoio dos meus pais que cheguei ao Mundial”
Depois de vários meses em recuperação de uma lesão sofrida no Grande Prémio da Grã-Bretanha de Motocross, quando caiu nos treinos, fraturou várias costelas e sofreu ainda um pneumotórax, Rui Gonçalves regressou às competições no Grande Prémio da Holanda, tendo já também assegurado a continuidade no Mundial de MXGP, mantendo a sua ligação à Husqvarna. Para além disso, foi também escolhido pela entidade promotora do Mundial de MXGP, para integrar o Youthstream, um departamento técnico de aconselhamento, onde terá como objetivo melhorar a preparação e segurança de cada circuito por onde passa a MXGP. O MotoSport falou com o piloto luso, e fez um balanço do que tem sido a sua carreira, que vai para a 15ª temporada ao mais alto nível, no Mundial de Motocross. Connosco, o vice-campeão do Mundo de MX2 (2009), recordou vários marcos do seu percurso, bem como os desafios que o esperam para 2016. Aqui fica a primeira parte da entrevista.
Este convite para integrares o departamento técnico de aconselhamento do Mundial de MXGP, acaba por ser um reconhecimento pelo teu percurso no desporto motorizado. Que trabalho vais realizar?
Foi um contacto direto do presidente da Youthstream, que me contactou para dar uma ajuda e ser conselheiro para a preparação das pistas de forma a conseguir fazer com haja mais espetáculo e ao mesmo tempo se aumentem as condições de segurança. Como se sabe, 2015 foi ano bastante difícil, marcado por muitas lesões de pilotos de muitas quedas e o objetivo é reduzir esses números. Para isso, não vou ser eu que vou mudar a preparação das pistas, não vou vou chegar e dizer que nada está bem feito, e que eu é que vou fazer bem, nada disso. Esse não é o meu objetivo nem a missão da Youthstream, o que se pretende é ter um piloto que conhece bem o lado de dentro das corridas que possa transmitir alguns pequenos detalhes que podem fazer diferença na hora de preparar uma pista, para que possamos ter mais espetáculo e ao mesmo tempo mais e melhor segurança. Para além disso é importante aproximar todos os pilotos e criar um grupo forte e unido com a organização do campeonato do Mundo, para termos um campeonato ainda mais forte.
E no campeonato do Mundo, vai ser o último ano como piloto para depois assumir um cargo a tempo inteiro na Youthstream?
Espero que não, mas a verdade é que ninguém prevê o futuro. Sinceramente em termos físicos e psicológicos, a motivação é maior do que nunca, até porque com o passar dos anos fui adquirindo uma experiência que me permite trabalhar direcionado aos objetivos a que me proponho. Podem existir contratempos, mas o objetivo é estar no Mundial em 2016 ao mais alto nível e esperando que seja um campeonato bom e sem lesões.
Vais competir pelo 15º ano no Mundial de Motocross. Existem muitas diferenças hoje em relação a 2002, altura em que deste os primeiros passos no Mundial?
Sem dúvida que sim, aliás, o público tem essa perceção. Hoje um campeonato do Mundo tem uma cobertura televisiva que não tinha, existe um paddock fantástico com muitas equipas de grande dimensão. Para além disso temos um nível muito mais competitivo, onde está um número grande de pilotos que lutam pelo pódio. Temos um top 15 de pilotos que já ganharam Grandes Prémios ou foram Campeões do Mundo, penso que o nível competitivo não tem parado de crescer e que denota bem a evolução ao longo destes anos. Para além disso, em 2016, vamos ter ainda maior competitividade, pois chegam pilotos da MX2, o que vai aumentar a percentagem de pilotos a lutar pelos pódios.
Lembras-te quando iniciaste esta aventura?
Em 2001 fiz apenas uma corrida como teste, mas a tempo inteiro no Mundial só comecei em 2002, na altura na classe 125, ou a MX2. As coisas foram melhorando com os anos até porque não comecei logo por andar nos lugares da frente. Neste percurso melhorei em termos de equipas, e com isso no acesso a melhor material, ano após ano, até que consegui chegar a uma equipa de fábrica, o que aconteceu em 2008 e com a qual consegui um 5º lugar no campeonato. Depois em 2009, lutei até ao final pelo título de Campeão do Mundo, que não consegui alcançar, tendo terminado vice-campeão, o que não deixa de ser o ponto mais alto da minha carreira até ao momento. Depois disso passei por outras equipas de fábrica como a Honda ou mesmo a ICE1 Racing, liderada pelo Kimi Raikkonen, e sempre tentando manter-me ao mais alto nível. É óbvio que os anos vão passando mas não se pense que a motivação vai desaparecendo como muita gente julga, antes pelo contrário já que o nível competitivo vai aumentando e nós temos de estar preparados para isso, o que nos aumenta a motivação.
Estiveste na ICE 1 Racing em 2013, conheceste o Kimi Raikonen. O que te pareceu como pessoa?
Bastante acessível ao contrário do que se possa imaginar, estive várias vezes com ele, já que gostava de estar perto da equipa. Uma pessoa muito acessível para a equipa, ao contrário da imagem que ele possa transmitir para o exterior, sempre bastante disponível. De resto, esse foi um ano muito bom, numa equipa nova, que foi toda remodelada com a entrada do Kimi, e que cresceu com a minha presença, apesar das várias lesões que tive, também consegui bons resultados.
O Kimi Raikkonen é um apaixonado pelo Motocross ou tratou-se de um mero investimento na equipa a aposta na ICE 1 Racing?
Ele é mesmo apaixonado pelo motocross e tenho vários vídeos dele andar de moto. Gosta mesmo de motocross apesar do objetivo dele ser a F1. Temo-nos encontrado com alguma regularidade, ele gosta de assistir a Grandes Prémios e sempre que estamos juntos falamos das nossas aventuras.
A chegada a um Mundial como o de Motocross provocou-te um grande choque por teres de lidar com uma realidade diferente da que estavas habituado em Portugal e pelo facto de não termos uma tradição tão forte quanto outros países no Motocross?
Posso dizer que ao início, com apenas 16 anos, foi um choque muito grande deixar Portugal, a minha família, os meus pais. Esse foi o período mais difícil, o de deixar de poder contar com o apoio direto que estava e sempre esteve ao meu lado. Aliás foi graças ao apoio dos meus pais que cheguei ao Mundial. Mas sim no início lembro-me bem foi um choque grande, já que era a minha mãe que tratava de tudo, me ajudava, lavava a roupa que me preparava as refeições e o meu pai que treinava comigo sempre, todos os dias de moto. Quando fui para fora, deixei cá toda essa ajuda porque os meus pais continuaram em Portugal e tive de me habituar a tomar decisões sozinho. Tudo isso, ajudou-me a ser aquilo que sou hoje, porque me permitiram ganhar experiência.