Valentino Rossi: Nem o ‘Doutor’ curou a Ducati
Valentino Rossi e a Ducati separaram-se após dois anos frustrantes. O casamento de sonho entre dois símbolos de Itália transformou-se em pesadelo com a Desmosedici.
A 15 de agosto de 2010, depois da corrida de Brno do MotoGP, Valentino Rossi confirma o cenário que pôs os tifosi a sonhar: o mais famoso desportista italiano tinha assinado um contrato de dois anos para pilotar para outro ícone de Itália, a Ducati Corse.
Rossi vinha de um ano particularmente difícil, iniciado com uma lesão no ombro e nas costas num acidente de motocross, e principalmente, devido a uma aparatosa queda nos treinos do ‘seu’ GP em Mugello, onde sofreu uma fratura exposta da tíbia. Perante a gravidade da lesão, os médicos consideravam que a época de Rossi tinha acabado. Apesar de um heroico regresso, apenas 41 dias após o acidente de Mugello, Rossi foi terceiro no Mundial e assistiu ao primeiro título na classe-rainha do rival e companheiro de equipa, Jorge Lorenzo. A relação entre ambos já era fria, sobretudo devido ao talento e competitividade nata de ambos, mas também ao facto de a Yamaha ter renovado com o jovem espanhol apesar do ultimato de Rossi: ‘ou ele ou eu’. Nesse contexto, parecia ter chegado a altura de encerrar um memorável ciclo com a Yamaha, que em sete épocas resultou em quatro títulos mundiais e, ironia, 46 vitórias. A Ducati parecia a opção certa para tentar um inédito terceiro título com marcas diferentes, e além disso, um final de carreira apropriado ficando para sempre associado a uma marca italiana, uma espécie de embaixador vitalício. Depois de representar a Aprilia até 1999, Rossi voltava finalmente a pilotar uma moto italiana.
Quis o destino que, dois anos depois, a 10 de agosto de 2012 nesse mesmo GP da República Checa, Rossi e a Ducati anunciassem oficialmente o fim da ligação entre ambos. O piloto rumou à Yamaha onde foi novamente companheiro de Jorge Lorenzo. O que aconteceu, então, para que o suposto casamento de sonho dos italianos tivesse terminado em rutura… e com apenas dois pódios para apresentar?
O que começa mal…
Não é fácil analisar um dos poucos falhanços da notável carreira de Rossi. Cronologicamente, a relação com a Ducati não começou da melhor forma, pois o italiano teve de ser novamente operado ao ombro lesionado naquele acidente de motocross. Nos primeiros testes oficiais da pré-época de 2011, Rossi mostrava a sua insatisfação por ter ficado a 1,8s do melhor registo obtido pela Honda de Stoner, mas no primeiro GP da época, no Qatar, admitiu que ainda sentia dores no ombro operado.
As dificuldades iniciais em pilotar a Desmosedici seriam um prenúncio para o que viria a acontecer ao longo de dois anos. A moto italiana sempre foi vista como um ‘animal’ exótico, um protótipo de inegável velocidade mas que exige um tipo de condução diferente das motos japonesas. Foi aqui que Casey Stoner fez um trabalho impressionante, adaptando-se como nenhum outro piloto ao estilo radical exigido pela Desmosedici e dominando por completo a sua segunda época no Mundial, e depois de um ano de estreia (com a LCR Honda) marcado por várias quedas. Stoner conseguiu um total de 23 vitórias com a Ducati… e nunca perdeu uma oportunidade para dar ‘alfinetadas’ em Rossi: “As pessoas disseram ao longo dos anos que a Ducati é uma questão de estilo de pilotagem”, comentou recentemente o australiano. “Eu acho que não tem nada a ver com estilo. Tem a ver com orgulho. Não interessa a forma como achas que a moto deve ser pilotada, o que resulta na Honda ou Yamaha pode não resultar na Ducati. Deves pilotá-la como ela ‘quer’ ser pilotada. Deves abdicar do teu orgulho e pilotar como é preciso.” Além de Stoner, já passaram pela Ducati pilotos como Capirossi, Gibernau, Melandri, Rossi e Hayden, mas nenhum domou a Desmosedici como o australiano.
Filosofia própria
Rossi já tinha estado próximo da Ducati em 2003, quando estava de saída da Honda. Na sua autobiografia de 2005 disse ter escolhido a Yamaha em vez da Ducati porque via na marca italiana a mesma filosofia ‘autista’ e ‘arrogante’ que o afastou da Honda. É sabido que para os responsáveis da HRC (e, provavelmente, para a Ducati) quem ganha Mundiais não são os pilotos, são as suas motos…
Tudo se complicou quando a equipa italiana decidiu introduzir um chassis de dupla trave em alumínio, no final de 2011. Essa é uma tecnologia que as marcas japonesas levaram décadas a dominar, até encontrarem a relação ideal entre geometria, rigidez e maneabilidade. Rossi queixou-se várias vezes em que não conseguia inserir a frente da moto em curva, que para isso tinha de provocar a sobreviragem… com a consequente perda de tempo. Depois de um período inicial de esperança mútua, Rossi chegou a admitir que a Ducati não seguia as suas indicações.
E foi assim que a relação se deteriorou. Nem a Audi, nova proprietária da Ducati, conseguiu convencê-lo a ficar… e a Yamaha limitou-se a anuir à aproximação do italiano e reeditar uma das duplas mais emocionantes dos últimos anos. É que, mesmo aos 33 anos, Rossi era um dos maiores talentos da história do MotoGP e o grande (único?) ícone global de marketing do motociclismo. Um casamento de sonho acabou em divórcio com culpas repartidas. Os adeptos de Rossi suspiravam por novos capítulos.