Opinião – Porque ganha Marquez?

Por a 22 Maio 2019 14:59

Há escassos meses, a época de MotoGP de 2019 adivinhava-se como uma das mais competitivas de sempre, não só pelo esperado equilíbrio entre vários pilotos mas também pelas regras de equalização da Dorna, que vieram simplificar a eletrónica e introduzir uma série de concessões às equipas menos vencedoras, como a possibilidade de efetuar treinos suplementares ou usar mais motores durante a época.

Este estado de coisas foi, de certo modo, confirmado nas primeiras corridas pela presença no degrau mais alto do pódio de 3 marcas – Honda, Ducati e Suzuki – e do aparecimento de “rookies” capazes de averbar poles e andar na frente de treinos e até da corrida – como Fabio Quartararo, já o mais jovem piloto de sempre a fazer umas pole e agora, outra vez depois de Losail, a fazer a volta mais rápida da corrida em Le Mans, 0,007 menos que a melhor de Márquez.

Mais, ao fim de 4 rondas até ao Grande Prémio de França, 9 pontos apenas separavam 4 pilotos, Marquez, Dovizioso, Rins e Rossi, e outras tantas marcas – Com a Yamaha a ser a exceção entre as 4, por não ter vencido nenhuma corrida, a posição no Top 4 ficando a dever-se à forma de Valentino Rossi, que aos 40 anos, e apesar dos óbvios problemas da formação oficial da casa de Ywata, tinha dois segundos lugares em seu nome. Mas a partir de França da semana passada, esse equilíbrio ilusório desfez-se e Márquez lidera agora por quase tantos pontos – 8 – como até aí separavam os primeiros 4.

E no entanto, quem seguisse apenas os treinos de cada prova, poderia facilmente chegar à conclusão que a Ducati seria a moto a bater: Dovi vai com 3 pódios, um deles uma vitória na corrida inaugural no Qatar, e não só o seu colega de equipa Petrucci é frequentemente dos mais rápidos nos treinos, mas até pelo menos uma Ducati satélite, com Jack Miller, anda no topo das tabelas, com um pódio no Texas a contrabalançar dois resultados sem pontos no Qatar e em Jerez.

A conclusão inevitável é que dum lado, vence a moto, do outro o piloto. Não que do lado da Honda, a HRC não tenha feito grandes progressos. As modificações efetuadas desde o ano passado tenderam a fazer a RC213V menos extrema, mais fácil de pilotar no limite… e com um suplemento de potência que era exigido pelos pilotos de há algum tempo a esta parte, em vista dos problemas encontrados contra a poderosa velocidade final das eternas rivais Ducati.

Para isso, o motor ganhou duas coisas: uma cambota contra-rotativa e uma configuração de decalagem “big bang” – a primeira desenhada para contrariar a tendência de aliviar a dianteira, causando derrapagem e sub-viragem – e a segunda, para dar aos pilotos a capacidade de acelerar mais cedo e mais violentamente à saída de curvas – só utilizável quando a primeira fosse resolvida.

Mais potência como tal só chegou este ano, em vista do tempo que levou ao longo de 2017 e 2018 a acertar as outras duas- uma época de despedida frustrante para Pedrosa em 2018, mas nem por isso um mar de rosas para o seu substituto Lorenzo, que até agora tem sido incapaz de ajudar muito no desenvolvimento da versão 2019 a que ainda se está a habituar.

Do lado de Marquez, porém, o novo incremento de potência tem-lhe permitido ir buscar velocidade por volta sem arriscar tanto como antes – e preservando os pneus ao mesmo tempo, razão porque o temos visto dominar, com 3 vitórias e um segundo, na fase final das provas, quando frequentemente só a proverbial suavidade de Andrea Dovizioso ainda mantém o Italiano na perseguição. Petrucci, por seu lado, paga em pneus destruídos na fase final das provas a fatura da sua fogosidade inicial.

Assim, só o fiasco na América impede Márquez de liderar a tabela de pontos do Mundial ainda mais conclusivamente… A combinação de capacidade de ler a moto até às mais diminutas reações dos pneus e de se aproveitar disso, excedendo frequentemente o limite, mas sobrevivendo a situações que veriam outros quase tão talentosos a destruir fibra de carbono na gravilha, é o que faz a diferença do lado de Márquez.

Nas fileiras de Borgo Panigale, o técnico-chefe Gigi Dall’Igna vem tentando tudo o que possa dar uma vantagem aos seus homens de ponta Dovi e Petrux- o motor mais potente e a moto mais rápida já eles tinham- mas agora essas qualidades foram tornadas mais aproveitáveis através da afinação da aerodinâmica, com as inerentes controvérsias provocadas pela aparição da mesma.

A ideia é libertar a moto para velocidade em reta, mas aumentar subtilmente a pressão na dianteira quando sob forte travagem e, no entanto, manter o pneu traseiro agarrado ao solo, pronto para a fase seguinte de aceleração.

Até um sistema de evitar afundamento excessivo da suspensão na fase de arranque as Desmosedici adotaram, tudo para dar a maior hipótese aos seus pilotos de combaterem a poderosa Honda Racing Corporation. Só não contaram que a maior oposição viesse, não dos melhoramentos à máquina, mas do extraordinário talento extra-terrestre do seu piloto de 64 Kg…

 

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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5 anos atrás

A mudança para Electrónica imposta, beneficiou e mt a Ducati, ou não fosse a a empresa que a faz italiana. Nao quero com isto dizer que há algum tipo de batota. Apenas a forma de pensar. Para quem já programou alguma coisa por ex em automação, sabe que os japoneses têm forma distinta de pensar em relação a nós ocidentais.
Não é à toa que a Yamaha foi buscar um suposto engenheiro-genio à equipa de sbk. O homem é italiano e talvez saiba aquilo que aquela programação exige. As melhorias não foram muitas. O Rossi já disse várias vezes que a Yamaha precisava de voltar investir mais em recursos. A Honda e a Ducati tinham MT mais e continuam a ter, principalmente na electrónica.
A Honda conseguia domar o V4 screamer quando tinha a sua electrónica. Quando a electrónica mudou nunca mais conseguiram domar aquela potência absurda. Tentaram tudo e mais um par de botas. E uma Honda que dava 350km/h no fim da reta do Qatar já não chegava aos 330 no ano a seguir. Como se explica isto? Falta de potência? Não me parece. Talvez seja falta de capacidade em controlar a aceleração. De facto o sistema de injeção big bang tem uma vantagem ao nível do pneu sob aceleração. Como tem um ciclo de detonação dois a dois, após a uma detonação, com o dobro do binário é certo, tb tem o dobro do tempo para recuperar e deixar de derrapar. A honda apesar de não ter mudado a configuração do motor, não demorou a perceber que tinha de mudar o comportamento do motor.
Um engenheiro da Yamaha uma vez disse: não vale a pena gastar dinheiro a ter potência que não é possível usar.
A Yamaha desde 2004 qd introduziu o crossplane que sempre teve uma filosofia de motor amigável em que a electrónica apenas arredonda os “vértices”. O crossplane reduz na perfeição uma das componentes do binário que é o binário causado pelo balanço da cambota e que se verifica nos motores screamer. É isto que os torna tão difíceis de controlar sob aceleração.

Hoje em dia pelo que se lê não há marcas com falta de capacidade em ter motores com potência. A questão é: controlar a potência e a nível de fiabilidade. Quanto mais no limite menos fiável. A Ducati domina estes pontos como ninguém. Os V4 têm outra vantagem que quase ng fala e eu não percebo porquê. Isso devia ser proibido uma vez que é uma artimanha a meu ver. Os motores V4, cm são mais estreitos, permitem que os volantes de inércia sejam colocados fora da parte selada do motor. Isto permite que as marcas joguem com isto até acertar. Um volante MT leve, faz como exista uma aceleração demasiado rápida, o pneu derrapa o sistema corta potência para evitar a derrapagem e a mota “perde potência”. Ao contrário se o volante for demasiado pesado a mota é tão lenta a acelerar que também não tem potência.
A Yamaha e a suzuki sofrem com isto e acho injusto que seja permitido aos outros.
Quanto a Honda..
A Honda tem um problema. Apenas o Márquez é capaz de pilotar bem a mota. Com o stoner foi o mesmo. Eles são tão bons que escondem bem os problemas que a máquina tem e neste momento a Honda é uma mota bem mais dócil.
A Ducati não tem pilotos para ser campeão. Nenhum deles tem estofo e é isso que lhes falta para dar o passo final. Tinham o Lorenzo e não esperaram. Tinham o Miller meteram o Petrucci. Tinham o Zarco…enfim é o que lhes falta.
Um piloto campeão.
Neste momento o Márquez é bem mais rápidos que os outros.
Outra coisa. Um campeonato de protótipos devia ser o mais aberto possível.
Várias marcas de pneus, Electrónica aberta, etc etc.
Adoro o motoGP mas tenho pena que esteja longe do potencial máximo, devido a controlo de custos e dps permitem asas nas motas que custam 20mil € à hora no túnel de vento.

É o que dá mais jeito.
Cumps.

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