MotoGP- Miguel Oliveira em entrevista

Por a 6 Março 2019 09:55

Entrevista Miguel Oliveira – A surpresa em Sepang e Doha

“a KTM está-se a revelar muito mais competitiva do que era o ano passado”

Miguel Oliveira é um fenómeno no panorama nacional do desporto, um atleta que, vindo do motociclismo, transcende as barreiras entre modalidades, capturando a imaginação do público português como não acontecia, talvez, desde os tempos de Pedro Lamy na Fórmula 1. A menção do nome do piloto da Caparica tornou-se lugar comum, até em círculos que nada têm a ver com o desporto motorizado. Há dias, falou em exclusivo ao Motosport, mas antes, importa recordar o percurso que o levou à categoria rainha da velocidade mundial, e pelo caminho, ao coração dos portugueses.

Em 2018, Miguel Oliveira foi o único piloto nas 3 categorias de MotoGP que nunca caiu e lutou pelo título até ao fim da época com o eventual Campeão da categoria. Acabou como Vice-Campeão, a 9 escassos pontos do vencedor, numa moto muito mais jovem e menos evoluída que ele, de resto, foi material em desenvolver ao ponto de a tornar numa vencedora. Ao tornar a KTM de Moto2 numa vencedora, também abriu caminho para colegas como o Sul-Africano Brad Binder, que este ano herda o manto de piloto de ponta da formação na categoria intermédia.

Muitas voltas à frente, 12 pódios e 3 vitórias na fase final da época foram o registo que fica para a história, como também tornar-se no primeiro português a correr na MotoGP. Depois dos anos formativos a correr no Campeonato de Espanha, onde tinha por rivais (que frequentemente batia!) nomes que hoje estão igualmente na MotoGP, como Maverick Viñales ou Alex Rins, ascendeu finalmente ao Mundial de velocidade. Antes, correu entre 2013 e 2015 na mais pequena categoria de Moto3 e a história foi semelhante.

Oliveira nos testes do Qatar de MotoGP há dias

Com a segurança e garra que caracterizam a sua pilotagem, foi ascendendo no pelotão, começando pela escassamente financiada indiana Mahindra e eventualmente, passando para a KTM Red Bull em 2015. Aí, na equipa dirigida por Niklaas Ajo, foi amontoando sucessos até terminar a época também vice-campeão, lutando contra a dominante Honda de Danny Kent, de quem ficou apenas a 6 pontos nessa ocasião.

A meio de 2017, uma oportunidade de testar a moto de MotoGP deu um gosto do que estava para vir e a oportunidade finalmente concretizou-se agora, com a primeira corrida a poucos dias de distância. É uma oportunidade que Miguel Falcão Oliveira vai agarrar com as duas mãos, tendo já brilhado nos testes pré-época realizados em Sepang e no Qatar, onde teve marcada evolução a bordo da RC16 de MotoGP, sendo o segundo mais rápido dos pilotos da KTM…

Miguel, é inevitável começarmos pelo resultado extraordinário dos treinos de Sepang… surpreendeste-te a ti próprio?

Sim, de certa forma demonstrei que o meu nível face a Novembro está muito melhor…isso deixa-me contente, ficar a 3/10 do piloto mais rápido da KTM é bom.

Não é neste momento ao nível da minha ambição, mas sei o projeto onde estou, sei qual é o objetivo a longo prazo e portanto não estou focado muito no resultado de agora.

Sei que temos de desenvolver a moto, temos de continuar neste caminho, o bom é que o projeto é muito ambicioso a nível técnico, pois temos quatro motos que são oficiais e não há discrepâncias a nível de quem usa o melhor material ou não, e isso no MotoGP é algo único e é muito bom para mim. Portanto, já nos testes de Sepang testámos muita coisa, temos opinião e também peso de decisão em muitas coisas e isso é algo que me deixa feliz…

Para ti, foi positivo acabares tão perto dos outros pilotos KTM, mas acha que essa concentração poderá indicar que a moto atingiu um teto, que mesmo um piloto com o talento do Zarco não consegue ir mais além?

Não, nada disso, eu acho que a moto ainda tem algumas décimas para dar e em Sepang não pudemos explorar isso ao máximo… nós a nível de eletrónica não desenvolvemos muito, não desenvolvemos muito daquilo que havia para desenvolver, a nível de setting. São coisas mais complexas e aquilo que nós testámos foi um pouco mais básico, portanto apenas aí acredito que há uma grande margem para podermos melhorar… a nível de performance de tempo.

O positivo é que a moto está-se a revelar muito mais competitiva a nível de ritmo de corrida daquilo que era o ano passado. O facto de vermos um Pol Espargaró que, enfim, levou uma linha de desenvolvimento com a moto que a ele lhe permite chegar até um certo ponto… mas esse ponto não é suficiente, portanto pilotos como eu, pilotos como o Zarco, estamos a dar indicações muito diferentes, sobre linhas de setting e de que caminho seguir. Penso que isso é o fator mais importante para a KTM, é ter opiniões diferentes, ter opiniões como a do Pedrosa, do Zarco, a minha, a do Syahrin, pois são, aparentemente, diferentes e isso pode levar a moto muito mais longe do que aquilo que ela já deu.

A Tech 3 está completamente à vontade para desenvolver a moto numa direção diferente daquela que está a ser seguida pela equipa oficial se achassem que era útil?

Sim, a nível de setting sim, obviamente que sim, atenção que as duas equipas são muito independentes a nível de settings e que componentes usarem… atenção que nós testámos muita coisa que a equipa de fábrica também testo umas gostámos, outras gostámos menos, como é lógico, faz parte do processo de testes, mas estamos totalmente livres de usarmos aquilo que quisermos.

“uma das áreas que eu gostava de ter melhor, é a nível da tracção à saída das curvas”

Já ouvi dizer que um dos handicaps da KTM é persistir com esse quadro de treliça de aço, que os limitará em relação a um dupla viga de alumínio, mas pelo contrário não é muito mais fácil de alterar se quiserem mudar alguma coisa?

Lá está, isso tem mais a ver com estatísticas que outra coisa, se formos olhar por esse prisma, a Ducati não ganha porque tem um chassis tubular, em ferro… e o último campeonato que a Ducati ganha é precisamente com esse modelo de chassis… por exemplo, nós sabemos que a Ducati é uma marca que trabalha há imensos anos com componentes em carbono e porque, porque o carbono é muito mais fácil de identificar e de alterar a rigidez do que propriamente um alumínio, é muito mais preciso, dai hoje em dia toda a gente usar suspensões com tubos em carbono. Não quer dizer que seja mais rijo, é isso que por vezes é difícil tentar explicar às pessoas… o facto de o meu chassis ser em ferro não quer dizer que tenha uma rigidez maior face a um chassis que se faça em alumínio. Não tem nada a ver, tem a ver com o facto de que, para atingir uma certa rigidez, as fábricas utilizam materiais diferentes… No final do dia, não julgo que a KTM tenha um handicap por usar um chassis tubular em ferro, não é por isso que não vai ser uma moto que não ganhe corridas.

Oliveira com o patrão do AIA Paulo Pinheiro

O que impede a moto neste momento de andar mais à frente, sabes?

Eu, para mim…  eu acabei os teste de Sepang um pouco sem saber o que pedir mais da moto… sem dúvida que uma das áreas que eu gostava, pessoalmente de ter melhor, é a nível da tracção à saída das curvas, talvez uma combinação de potência com controlo de tracção, com a aderência geral da moto, é algo que, quando comparado com as outras, nós, enfim, sofremos um pouco. Neste momento estamos a trabalhar para a performance de volta rápida.

A nível de ritmo, como referi, não estamos assim tão mal, pelo menos em Sepang, portanto resta saber aquilo que será uma condição real de fim-de-semana de corrida, com pouco tempo para afinar a moto, com pouco tempo para experimentar coisas, portanto chegar, ver e correr. Isso aí será o nosso teste real da performance da moto.

Quando dizes ritmo de corrida, quer dizer, o que conseguires fazer numa volta, fazer nas voltas todas…

Basicamente, tem a ver com o facto de que a nossa performance com pneus usados não é assim tão má… não é muito diferente daquilo que é com pneus novos e isso é bom. Enfim, dantes era algo… era um sector em que a KTM sofria bastante, o facto de não se poder manter ali na luta ao longo das voltas e parece ser que a moto deste ano nos permite manter mais ao nível durante a corrida, que é importantíssimo.

Falando da diferença das sessões de treinos para a corrida, isso foi uma coisa que às vezes te prejudicou na Moto2, parece que não conseguias de alguma maneira ter confiança total na moto para fazeres uma volta muito rápida nos treinos e depois na corrida conseguias lugares brilhantes mas tinhas de perfazer lugares arrancando de 12º ou 16º…

Como eu expliquei várias vezes, o facto qualificação não estava inteiramente nas minhas mãos… Sou um piloto que luta muito por pensar na corrida e por pensar em grande, portanto, não podia simplesmente seguir uma linha de afinação talvez que o Lowes, ou mesmo o Binder, tivesse, apenas para tirar aquela volta rápida e depois alterar esse setting ara a corrida. Preferia saber que, sofrendo um bocadinho na qualificação, que na corrida mais ou menos conseguia estar ali. E isso para mim era mais importante do que arriscar a ter uma moto muito boa para uma volta, e depois na corrida, nem sequer aparecer. Isso não estava em linha nem com o meu objetivo nem com o da equipa… A KTM assumiu quer era um ponto que tinha de melhorar e espero que agora como os novos motores Triumph, que a moto possa ser um bocadinho melhor na qualificação…

À conversa com os seus rookies

“o facto de ser rookie  talvez seja a minha melhor vantagem, os outros pilotos têm aquele peso de ter de mostrar resultados…”

Tu como rookie na MotoGP tens um diferencial enorme de experiência para os pilotos da KTM “oficial”… eles já estavam na categoria há vários anos, eles já conheciam a moto. Tu és recém-chegado a tudo… à categoria, à moto, à equipa e estás muito perto deles… Quer isso dizer que já estás muito à vontade na moto?

Só pode ser, não é? (risos) Não, a sério, sinto-me muito à vontade na moto, para mim, o facto de ser rookie justamente talvez seja a minha melhor vantagem, os outros pilotos que estão na KTM, no fundo estão a ter a pressão de desenvolver, aquele peso de ter de mostrar resultados… De certa forma, eu estar ali ao pé deles pode-lhes causar algum tipo de desconforto… mas eu acho que ainda é tão cedo para falar nisso, foi o resultado de um teste de três dias, ainda falta muitos Km pela frente, não é indicador de nada, estes três dias… eu só espero que a moto permita, tanto ao Zarco como ao Pol Espargaró, alcançar lugares de topo…. Se eles estiverem lá em cima, eu sei que é possível para mim, portanto…

Sabes se a Tech 3 fez algum tipo de lista, assim género caderno de encargos, para exigir à KTM depois de Sepang? Isto, isto e aquilo para melhorar a moto?

Neste momento, estamos ainda com uma lista de material para experimentar, portanto vamos retomar isso no Qatar…

Nos treinos antes da primeira prova… Como te vês a evoluir esta época, vês-te a entrar logo nos pontos, na parte de trás entre 10º e 15º?

Eu não gosto de estabelecer limites, vou sempre fazer o melhor que conseguir como é lógico, agora a prioridade para mim é poder acabar as corridas… porque quero perceber como é que a corrida se desenvolve, quero perceber como é que a minha atitude corporal tem de mudar ao longo da corrida, como tenho de me preparar fisicamente, que mapas de eletrónica usar na corrida, ver como é que a moto se alter ao longo das voltas, isso eu ainda não tenho… e lógico que se me encontrar numa situação em que estiver nos pontos ou a lutar pelo top 10, é fantástico, mas o resultado agora não é o foco…

Do Miguel rookie, passemos ao Miguel mestre, que tem a sua própria copa, estiveste aqui em Portimão a ensinar, a andar em pista com os teus jovens, alguns já evoluíram da Copa Ohvale para a MiniGP, e vi que tens uma ótima relação com eles, que eles todos te acarinham…

É giro porque aparte ser um projeto de iniciação único em Portugal, único no sentido de nós conseguirmos explorar ao máximo a vertente de piloto, nós estamos aqui para formar pilotos e dar oportunidades mais acessíveis a pilotos, como as que não havia muitos anos atrás, como eu nunca tive e como mentor, tive que criar e tivemos de ir atrás com muito esforço financeiro. Eu facho que não só é muito justo para todos os participantes que têm moto iguais, como também os ajuda muito a desenvolver tecnicamente porque eles têm de ter “kit de unhas” como se costuma dizer.

A relação é boa, nós criámos este troféu com uma vontade genuína, e acho que quando se abraçam projetos e iniciativa diferentes, isso é a base de tudo e é o que nos dá que fazer… Com muito esforço financeiro também, porque ter ali 10 motos não é fácil, mas temos conseguido. Temos conseguido criar não só uma dinâmica à volta do Oliveira Cup desportivamente tudo aquilo que temos conseguido desenvolver a nível de imagem também é muito positivo. Isso está-me a acrescentar a mim como piloto, como pessoa e lógico que apesar de eu ser o mentor também aprendo muito com eles, e sei que é curioso… e tenho a minha academia, talvez daqui a uns anos eles também possam puxar por mim!

Vi que estavas muito solto em pista, mas devias estar a reter um bocadinho porque…

…não me posso magoar, claro (risos). Não eu quando ando divirto-me, para mim estar com eles e poder mostrar-lhes o caminho é muito gratificante.

Esta é a minha oportunidade… e vou aproveitar ao máximo!

Da última vez que falámos, lembro-me que disseste que uma das coisas mais diferente de estar na MotoGP foi a atenção dos média, que decuplicou… consegues ter um momento de descanso?

Ahhh. Descanso… sim, arranja-se sempre tempo… há solicitações, não só da imprensa mas de patrocinadores que querem fazer muitas ações mas é normal, o peso de entusiasta não é peso nenhum, eu julgo que quando queremos ser os melhores em qualquer coisa temos de ver o que é que isso custa e estar dispostos a pagar o preço. Eu gosto, portanto não me queixo de nada!

A tua carreira de dentista está em standby para já?

Eu não gosto de dizer em standby, porque estou inscrito e por vezes vou lá e faço uma cadeira ou outra, mas já vi que dentista, se continuar como o Rossi, só lá mesmo para os 40 ou 50 anos…

Uma pergunta um bocado mazinha para acabar, vou-te citar 2 nomes: Viñales e Rins… Ambos andaram contigo no campeonato de Espanha, tu-cá-tu-lá, tanto bateste o Viñales como ele te batia a ti, mas eles chegaram ao MotoGP muito primeiro… sentiste que por ser português tinhas de ser sempre muito melhor, por um lado, para correr contra Espanhóis?

Não sei, isso talvez seja um bocado teoria da conspiração… Não me lamento, estou muito grato pelas oportunidades que tive, tudo que alcancei foi muito suado, posso dizer que nada me foi dado de bandeja…

Esta é a minha oportunidade, é agora, as coisas aconteceram quando tiveram que acontecer… e vou aproveitar ao máximo!

Obrigado, Miguel.

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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