MotoGP, Manuel Pecino: “A aerodinâmica é para os engenheiros um parque de diversões”
Manuel Pecino é um dos jornalistas mais experientes e conhecidos do universo motocilista. Aqui reproduzimos na íntegra algumas das suas reflexões sobre o desenfreado desenvolvimento aerodinâmico que atualmente se vive no MotoGP.
Quando em 2016 Gigi Dall’Igna decidiu explorar a aerodinâmica no seu MotoGP, o então chefe da Honda, Shohei Nakamoto , alertou que abrir aquele melão era muito ‘perigoso’. E não se referia a um perigo físico, mas sim acabaria por levar as motos de MotoGP a uma evolução sem fim que seria acompanhada por um aumento significativo de custos. E Nakamoto sabia muito bem do que falava, já que veio para as motos vindo da Fórmula 1, especialidade em que o desenvolvimento da aerodinâmica é a pedra angular do desempenho.
Quase vinte anos depois, nos treinos que decorreram em Sepang, os avisos daquele engenheiro japonês mais do que se materializaram. Na Malásia assistimos a um desfile de testes aerodinâmicos que parecem intermináveis.
A Aprilia, por exemplo, que na altura desenhou a sua nova moto com base na sua abordagem aerodinâmica, trouxe até 20 combinações possíveis diferentes para estes testes. O responsável pelo projecto da Aprilia MotoGP confessou a impossibilidade de testar tudo, já que outras secções como a electrónica, o chassis ou o motor também precisam de ser trabalhados para o primeiro GP que se realiza dentro de algumas semanas no Qatar. Não há tempo, não há pneus e há muitas experiências.
Na KTM, por sua vez, depois dos seus engenheiros analisarem a fundo a última temporada, entendem que o campo para reduzir os dois décimos que supostamente os separa da vitória é a aerodinâmica. Para isso, os austríacos recorreram nem mais nem menos aos seus colegas da outra grande empresa austríaca ligada ao desporto motorizado: a Red Bull. A influência dos engenheiros da F1 tem sido evidente nos diferentes formatos que testaram. As outras marcas, Ducati e Honda, não se saíram bem na saga; apenas a Yamaha está a trabalhar numa linha mais conservadora. Comparada com os autênticos ‘transformers’ em que as outras MotoGP se estão a tornar-se, a fábrica de Iwata neste momento parece-se com as ‘antigas’.
Veremos se os engenheiros da Yamaha aguentam, porque a realidade é que os pilotos confirmam que cada apêndice adicionado, removido ou alterado de posição altera o comportamento das motos. O dilema é descobrir qual a configuração que acaba por ser a mais eficaz. E atenção, não estamos a falar daquela que torna a moto mais rápida, mas sim daquela que é mais eficaz ao longo da corrida. Nada de novo, é a velha fábula da corrida entre a lebre e a tartaruga. Depois há as sensações, aquele factor que os engenheiros tanto odeiam porque não podem ser quantificados em números.
A Ducati colocou na pista uma nova carenagem que esteticamente parece bem e equilibrada. Os seus três principais pilotos, Bagnaia, Matín e Bastianini deram as suas conclusões: Bastianini vê nela um enorme potencial, Jorge Martín tem sérias dúvidas e, quando questionado, Bagnaia garantiu que se posiciona no meio. Depois, há o fator pneu, porque a mesma abordagem aerodinâmica funciona de forma diferente dependendo de quantas voltas os pneus da moto suportam.
No penúltimo dia do teste de Sepang, a Aprilia revelou a cereja no topo do bolo, montando um um aero rake na RS-GP24 de Miguel Oliveira que é uma estrutura muito marcante fixada na traseira da moto, fornecida com sensores que registam a pressão do ar em cada um deles.
“Projetamos a aerodinâmica com software nos nossos computadores. Com o aero rake, o que procuramos é verificar se os cálculos teóricos correspondem à realidade”, explicou na quarta-feira Romano Albesiano , chefe do projeto de MotoGP na fábrica de Noale.
Definitivamente, a aerodinâmica já entrou numa nova era, que os engenheiros estão a transformar num parque de diversões para crianças. Como Nakamoto estava certo!