MotoGP à Lupa, 2020: 4 – A suspensão

Por a 10 Dezembro 2020 17:00

O papel da suspensão numa moto, seja ela de estrada ou de competição, é óbvio: suavizar as irregularidades na estrada sem as transmitir ao veículo, e por extensão, manter os pneus em contacto com o solo a maior parte do tempo possível

Os aspetos que controlam o desempenho da suspensão são a pré-carga, o hidráulico de compressão e o hidráulico de extensão, também chamado retorno

Porém, numa moto de alta competição como em MotoGP, a atuação da suspensão reveste-se de maior importância e exige sistemas muito mais sofisticados, pois a utilização de moto é extrema e todos os parâmetros são solicitados ao máximo.

Na MotoGP, com exceção da WP que continua a ser utilizada pela KTM, a Öhlins detém um virtual monopólio das suspensões, sendo considerada a marca mais avançada, mas há outras como a Showa, Bitubo ou Marzocchi.

É fácil perceber que, como a gama de utilização, em velocidades, cargas e temperaturas, é muito mais extrema em competição, assim a gama de possibilidades de ajuste tem que ser muito maior do que em estrada.

Isto é conseguido através de mudanças nos componentes internos como molas vedantes e até a graduação do óleo utilizado.

Começando pelo dianteira, os garfos, basicamente um tubo que desliza dentro de outro tubo maior, com um curso de cerca de 130 mm numa MotoGP, são universalmente do tipo cartucho, ou seja são um componente completamente selado, que pode ser removido da moto sem que isso tenha implicações na sua desmontagem interna, que pode ser feita posteriormente em separado.

No entanto, mesmo montados na moto, eles são acessíveis através do topo removendo uma porca que normalmente também atua como ajuste de pré-carga e hidráulico e ganhando assim acesso às molas.

Mudar para molas, que são graduadas em Newton-metros, mais duras ou mais macias, é a forma mais óbvia de modificar a amplitude no comportamento dos garfos, mas a mola só faz a recuperação, ou seja, volta a estender os garfos depois da compressão. No entanto, se fosse apenas a mola a atuar, a suspensão ressaltaria até se estabilizar, pelo que se usa fluído hidráulico para controlar o chamado retorno.

A fase de compressão também é controlada por uma série de shims ou vedantes que na verdade são pequenas anilhas tensionadas por uma mola e colocadas junto a uma restrição de passagem do fluído.

Quanto mais restrita for essa passagem, menos óleo passará e mais lento será o afundamento ou movimento dos garfos.

Quanto mais óleo passar, logicamente, será o oposto e eles funcionarão mais rapidamente.

No entanto também há um sistema de By-pass em que, se a moto atingir de repente um solavanco violento, esse vedantes, ou uma válvula especial, se abrem de repente para permitir uma absorção mais brusca de movimento.

Na verdade, em termos físicos, os garfos são como os travões, mas de forma menos pronunciada, dissipadores de energia cinética, impedindo que a moto ressalte.

Os aspetos que controlam o desempenho da suspensão são portanto a pré-carga que controla o momento em que a mola começa a atuar, o hidráulico de compressão, que controla a velocidade a que o garfo fecha ou comprime e o hidráulico de extensão, também chamado retorno, que ajudado pela mola, faz a unidade regressar à sua posição normal.

Como é fácil de ver, jogando com estes parâmetros, e com o facto de que o óleo pode ser também de diferentes densidades, obtém-se uma combinação infinita de situações e de comportamentos, que podem ser adequados ao circuito e, claro às preferências ou estilo do piloto. Um piloto mais agressivo na aceleração, por exemplo, vai exigir uma traseira mais dura.

Além da taragem (dureza), diferentes comprimentos de mola também podem, claro, ser usados para variar a atitude da moto, elevando ou baixando a dianteira ou traseira, e desse modo mudando o comportamento ou sensação da moto.

Uma afinação que coloque a frente mais baixa será mais incisiva à entrada de curva mas menos estável em reta. Mais direita, elevando a frente, até certo ponto será mais estável, mas também com maior resistência à inserção em curva.

O ideal é ter sempre um compromisso entre ambas.

Quanto ao amortecedor traseiro, na verdade é apenas como um garfo em que a mola está exposta no exterior. Os garfos modernos de competição também têm duas molas, a principal que controla, como vimos, o afundamento e o retorno da suspensão e uma segunda muito menor que só controla a última fase do movimento quando a suspensão está completamente comprimida e os pneus estão em compressão sobre travagem violenta e o garfo está em perigo de colapso.

Assim que o piloto acelera essa mola é aliviada e não interfere no restante comportamento da suspensão. Do mesmo modo, na frente, se a mola for dura demais, ou o hidráulico de compressão excessivo, o movimento da suspensão não absorve as forças, que passam ao pneu e desgastam-no prematuramente ou causam derrapagens.

Por outro lado, se for macia demais, a moto vai vaguear e o pneu não vai estar carregado contra o solo, mais uma vez causando falta de aderência e desgaste, só que mais gradual. Por isso é que os técnicos observam a superfície do pneu para, em conjunto com os dados da telemetria, avaliar o comportamento da suspensão. A atuação inicial da mola, mais uma vez, é controlada pela pré-carga.

O amortecedor traseiro tem um papel ainda mais importante, porque enquanto a dianteira lida maioritariamente com as forças de travagem e com a estabilidade em curva, o amortecedor tem que lidar com o tão importante papel de transferir a potência para o solo e com a função de manter o pneu carregado contra o asfalto para transmitir toda a potência eficientemente. Logicamente, tem influência no desgaste dos pneus, na aderência e na sensação de confiança do piloto ao curvar.

Nos amortecedores atuais, pode ver-se um reservatório remoto, que permite fazer por gás (como encher um pneu) o ajuste da pré-carga do hidráulico, que antes seria feito rodando um anel para comprimir a mola.

Para lá das mudanças de mola para adequar a moto ao circuito em particular, cada vez que a relação final muda, portanto utiliza uma cremalheira maior ou mais pequena, e logicamente a roda chega mais atrás ou à frente, isso altera o efeito de alavanca do braço oscilante, que precisa de ser compensado com uma mola mais dura ou mais macia, e portanto esta também tem que ser alterada de acordo.

Por aqui se vê a importância da existência de dados prévios acerca de uma determinada pista, para que a equipa comece com a afinação mais próxima possível de que será a final, poupando tempo em pista e começando a atacar os tempos eficientemente. Mas isso já é para outro capítulo, que tenha que ver com a telemetria!

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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