As mais belas motos de GP, 28: A Triumph 500

Por a 16 Janeiro 2021 18:00

Só os ingleses podiam ter a fleuma de ir competir no Mundial como parte do programa de testes da fábrica, e foi exatamente o que Percy Tait fez com a Triumph 500 de 1969, que fora desenvolvida para ganhar em Daytona

Tait bateu todos menos Ago e ficou em segundo lugar na Triumph bicilíndrica a uma velocidade média de 188 Km/

A Triumph introduziu a construção de motores unitários na gama de dois cilindros com a Twenty One de 350cc de 1957. Antes disso, as “pre-unit” tinham a caixa separada do motor com uma corrente primária a ligar os dois do lado esquerdo.

Uma versão de 500, na verdade um motor de 490cc, apareceu em temporada de 1959, e depois seguiu-se a Tiger 100.

A T100A foi melhor, mas com um motor sobre-quadrado de diâmetro de 69mm e curso de apenas 65,5 mm, o desempenho foi dececionante.

Os pilotos americanos e europeus queriam mais e em 1962 conseguiram-no com a  T100SS, que já produzia cerca de 34 cv, o suficiente para 160 Km/h, com uma entrega suave até a linha vermelha de 7.000rpm.

A maioria das Triumph eram vendidas na América e uma vitória na famosa corrida Daytona 200 cairia bem nas vendas.

Quando os chefes da BSA Triumph decidiram ir em busca de glória, o designer Doug Hele teve apenas cinco meses para construir seis motos de corrida, baseadas em bicilíndricas T100SS. Felizmente, ele foi capaz de usar a sua experiência na Norton onde desenvolvera a Domiracer 500cc baseada na Dominator de 1961 e encarregou o ensaiador Percy Tait de avaliar a moto.

Percy era um empregado da fábrica encarregado de percorrer pelo menos 1.600 km por semana a bordo de máquinas de desenvolvimento, incluindo fins de semana de corrida, amontoando mais de um milhão de milhas em Triumphs ao longo de 20 anos de carreira.

Tanques de óleo mais baixos, escapes moldados para perfil mais compacto, ignição Lucas 3ET e os melhores carburadores Amal da época tornavam as Triumph motos de fábrica muito especiais.

Esses novos modelos especiais T100R de carburadores duplos foram enviados para as 200 Milhas de Daytona de 1966 para ganhar.

Hele estava tão convencido que as suas bicilíndricas dariam cartas em 1967 que ele próprio supervisionou a preparação de corrida, mas as coisas não correram como planeado. Pilotos de fábrica como Gary Nixon, Dick Hammer e Buddy Elmore sofreram falhas de velocidade de ponta causadas por demasiado óleo no motor, mas não o suficiente para chegar aos rolamentos principais.

Nixon finalmente decidiu usar uma moto de apoio preparada pelo distribuidor de Baltimore da Triumph, enquanto Elmore foi correr com um motor reconstruido na noite anterior à grande corrida com peças recuperadas de motores rebentados.

Este durou e Elmore levou a bandeira à frente de um par de Harleys 750 para estabelecer um novo recorde de corrida de 155 Km/h de média para a pista.

A Triumph não podia deixar passar uma oportunidade de marketing como esta, por isso introduziram uma versão T100de dois carburadores para a estrada, chamada Daytona.

A Daytona T100 já alcançava os 39 cv a 7.400rpm graças a grandes válvulas de admissão de 39mm, câmaras de combustão de especificação Bonneville e tuches especiais.

As válvulas de escape tinham o mesmo tamanho da Tiger 100, mas usavam aço com um tratamento austenítico para maior resistência ao calor.

Dois carburadores Amal Mono-bloco de 27mm foram montados em admissões ligeiramente inclinadas, com a cuba do lado esquerdo a fornecer o combustível a ambos os carburadores. A relação de compressão era já uns impressionantes 9:1.

De volta a Meriden, Hele foi trabalhar a resolver os problemas de pressão de óleo.

Outras seis T100R especiais foram preparadas para a visita do ano seguinte a Daytona e Percy testou-as todas, para selecionar a melhor para Nixon e Elmore. Além das Harley-Davidson de 750cc, desta vez as Triumphs enfrentariam as novas bicilíndricas Yamaha de 350cc e as Honda CB450s da Team Hansen que com as suas DOHC atingiam 11.000rpm.

Desta, as Triumph de Hele atuaram sem falhas, fazendo a Speedway a mais de 219 km/h com escapes abertos.

Nixon venceu com uma média de corrida de 158 Km/h durante os 320 km da corrida, com Elmore em segundo lugar, uma volta à frente da primeira de quatro Harleys.

Os outros quatro pilotos Triumph terminaram em sétimo, oitavo, nono e décimo. E a ameaça japonesa nunca se concretizou.

O que teve Hele que fazer para conseguir este tipo de desempenho de um bicilíndrico de 500cc? Bastou adicionar um segundo carburador ao motor da T100SS, usar cames mais agressivas e varetas ocas de maior diâmetro para evitar flexões, deixando os motores girar a mais alto regime, mas Hele também queria uma boa curva de potência, bem como desempenho topo de gama.

Jack Shemans, o principal operador do banco de ensaio, trancou-se no barracão dos testes durante meses a fio, à procura de uma fração extra de cavalos aqui e ali e tomou nota de todas as modificações que faziam a um motor antes de o colocarem no dinamómetro.

Assim, em vez do ângulo da válvula 45° de origem, os motores Daytona de 1966 tinham cabeças modificadas com ângulos de válvula de 39° incluídos, e davam uma relação de compressão de 9,75:1.

As válvulas de admissão maiores passavam a mistura a partir de dois carburadores Amal GP2 de 30mm montados flexivelmente em manilhas de borracha reforçadas de 100mm. Estas manilhas maximizavam a velocidade de indução, e ainda ajudavam a isolar os carburadores da vibração, para evitar atomizar o combustível na única cuba montada entre eles.

A faísca vinha de uma unidade especial de ignição Lucas 3ET aparafusada no exterior da tampa dos platinados de magnésio e movida por uma ligação Oldham, que lidava com flutuações, à came de escape.

A tampa principal da unidade também era moldada em magnésio muito leve, embora os cilindros fossem de ferro fundido, pintado para parecer alumínio.

Graças ao uso de fundição de magnésio, depósitos em liga de alumínio e quadros feitos de tubo leve T45 cromo-molibdénio, equivalente ao famoso Reynolds 531, as Triumph Daytona pesavam apenas 143kg ao todo, quando uma T100SS de origem pesava 152,8 kg a seco. A potência das Daytona de 1966 era de 46,5 cv às 8.200rpm.

Os motores de 1967 também usavam uma faixa de 0,76mm raspada à mão nas câmaras de combustão e uma relação de compressão de 11,4:1 para criar uma melhor turbulência dos gases e queima de combustível mais rápida, sem causar pré-ignição que faria buracos nos pistões de alta cúpula estilo Manx.

As admissões também foram modificadas, afunilando-as para as cabeças das válvulas para aumentar a velocidade dos gases.

O motor de origem respirava através de uma válvula comandada pela came de admissão , mas Hele decidiu que isso poderia não lidar com uso continuo a altos regimes em corrida.

Assim, a válvula foi descartada, juntamente com o vedante de óleo do rolamento principal do lado da transmissão. Três pequenos furos de 1,6 mm foram feitos na parede do cárter ao nível inferior da corrente primária, e um comprimento de tubo de ventilação de plástico de 20 mm foi fixado a um buraco na parte superior da tampa da corrente primária.

Agora, a pressão dos cárteres era expelida, carregando com ela névoa de óleo que lubrificava a corrente. E como o tubo de ventilação era tão grande, nenhum óleo se perdia, pois voltava a escorrer para o cárter.

A potência do bicilíndrico OHV de 499cc e dimensões de 69 x 65,5mm foi aumentada para 50 cv às 8.000rpm, e depois mesmo 52 cv às 8.700rpm através de aumentar a taxa de  compressão de 10.3:1 para 11.5:1, mas às 7.700rpm já havia 49 cv disponíveis.

Se deixassem o regime baixar para as 6.500 rpm, o banco ainda registava 44cv, por isso estas motos tinham potência para sair das curvas em plena aceleração e continuavam a entregar na parte superior da faixa até aos 220 km/h.

O comportamento foi melhorado baixando o tubo superior do quadro 40mm, endurecendo o braço oscilante com placas de reforço nos cantos, fortalecendo a cabeça da direção e encurtando os tubos do garfo para aumentar o avanço.

As válvulas de hidráulico bidirecionais nos garfos melhoraram o movimento da suspensão, e foram depois adaptadas para a gama T100 de produção de 1968.

Os amortecedores traseiros eram unidades Girling e o peso total era de 139 Kg.

Mas Hele teve de procurar fora dos caixotes de peças da Triumph para encontrar  travões decentes, e acabou por usar tambores Fontana de 210mm e duplas sapatas, em vez dos travões de atuador único do estilo TR6 usados em 1966, embora o travão traseiro tenha permanecido um tambor Triumph 7”.

Foi este o pano de fundo para a moto com que Percy Tait se apresentou no Mundial, desafiando as estrelas da época no que seria o seu melhor momento numa história de 30 anos de corridas.

Esse momento chegou ao GP da Bélgica em Spa-Francorchamps em Julho de 1969.

Era apenas a sua terceira corrida fora do Reino Unido, montando a Triumph 500cc de fábrica, um modelo de desenvolvimento, no GP da Bélgica no ultra-rápido circuito de Spa de 14 Km contra as estrelas da classe de 500cc lideradas por Giacomo Agostini na dominante MV Agusta de 3 cilindros.

Incrivelmente, Tait nem era pago para correr, sendo a participação considerada como parte do seu emprego na Triumph.

Além da MV Agusta, correndo contra Tait e a sua Triumph 500 de dois cilindros e distribuição por varetas, estavam as rápidas Linto e Paton de Itália, bem como a falange habitual de monocilíndricas Manx Norton e inigualável Matchless G50 britânicas.

Foi a corrida de velocidade mais rápida de sempre, com Agostini a percorrer o circuito a mais de 230km/h na MV, uma média de mais de 200km/h para uma vitória em fuga típica do italiano.

Tait bateu todos menos Ago e ficou em segundo lugar na Triumph bicilíndrica a uma velocidade média de 188 Km/h, o único piloto que não foi dobrado por Agostini!

Foi também o melhor resultado de sempre da marca num Grande Prémio, um feito notável para uma moto derivada de um modelo de estrada, ao contrário dos protótipos de fábrica desenvolvidos especificamente para Grande Prémio.

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Paulo Araújo
Jornalista especialista de velocidade, MotoGP e SBK com mais de 36 anos de atividade, incluindo Imprensa, Radio e TV e trabalhos publicados no Reino Unido, Irlanda, Grécia, Canadá e Brasil além de Portugal
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