As mais belas motos de GP, 22: A König 500
Em 1969, Kim Newcombe, um talentoso piloto e engenheiro viajou da sua Nova Zelândia natal para Berlim onde se juntou a Dieter König, que fabricava um leve mas potente motor de quatro cilindros a dois tempos arrefecido a água
Seria esse motor que se tornou o coração da moto que Kim desenhou, construiu, desenvolveu e pilotou no Mundial de 500 contra estrelas estabelecidas como Giacomo Agostini e Phil Read, e o poder da MV Agusta, a correr em circuitos urbanos e aprendendo as pistas à medida que ia competindo. Incrivelmente, alcançou o segundo lugar na sua primeira temporada completa de Grande Prémio, em circuitos que eram então extremamente perigosos.
Kim Newcombe nasceu em Nelson, na Nova Zelândia, em 1944, e cresceu em Auckland, onde conheceu a sua mulher Janeen. Mudaram-se para a Austrália em 1963, e Kim competiu com sucesso em motocross na Nova Zelândia e na Austrália na década de 1960.
Após vários anos de competição bem-sucedida sobre duas rodas, Kim seria apresentado às corridas aquáticas, o que viria a ter uma profunda influência na sua vida.
Foi enquanto trabalhava como mecânico de motores marítimos para Bob Jackson em Melbourne que Kim foi apresentado ao motor fora de bordo de corrida da König.
O König era um motor de quatro cilindros de 494cc a dois tempos, com potência impressionante e um bom desempenho nas corridas de motonáutica.
Kim ficou imediatamente impressionado com o simples e potente motor König e em 1968, realizou uma ambição sua quando foi apresentado a Dieter König, que prontamente ofereceu uma posição a Kim na fábrica da König na Alemanha.
Assim, Kim e Janeen mudaram-se para o outro lado do mundo para Berlim Ocidental, onde Kim trabalharia no desenvolvimento. A marca König produzia motores náuticos em Berlim desde 1928 e era bem conhecida nos círculos de competição pelos seus motores de corrida a dois tempos.
Foi durante o trabalho no departamento experimental que Kim conheceu um piloto alemão chamado Wolf Braun, que construira um chassis de moto de corrida em torno de um König 500cc quatro, mas foi forçado a abandonar o projeto devido a uma lesão. Dieter pediu a Kim para assumir e continuar o desenvolvimento, e ele prontamente se dedicou de todo o coração ao empreendimento.
Independentemente do entusiasmo de Kim e do arrojo experimental de Braun, o motor ainda era um propulsor náutico, projetado como tal. Colocá-lo numa moto não era simples e exigia muito trabalho de desenvolvimento para fazer todo o pacote funcionar, quanto mais vencer uma corrida.
O motor König era um tetra super-quadrado de diâmetro e curso de 54 mm x 54 mm.
Em vez de apontar as cabeças ao vento como por exemplo num boxer BMW, o motor foi montado transversalmente, com os cilindros de frente para trás, em linha com as rodas.
Isso mantinha a largura razoável, mas aumentava o comprimento, pelo que a moto resultante era baixa e longa, parecendo mais uma moto de Grande Prémio de 50cc em ponto grande do que qualquer outra coisa na categoria rainha de 500cc.
O chassis era um quadro com uma espinha dorsal maciça de aço, um braço oscilante convencional com dois amortecedores, com garfos Ceriani de 35mm à frente e travões de tambor Ceriani nas duas extremidades
Com uma unidade de sapata dupla de 230mm à frente e aros Akront, era o melhor do mundo na época.
Já os motores marítimos, acionam o veio de transmissão diretamente, sem transmissão, portanto, para adaptar uma caixa de velocidades, o König precisava dum veio primário a 90 graus, acionado por corrente no lado esquerdo do motor, ligado através de uma embraiagem a uma caixa de velocidades Norton com um conjunto de engrenagens atualizado de seis relações.
O motor muito longo teve que ser inclinado na parte traseira para dar espaço para a caixa de velocidades, o que lhe dava uma aparência característica de estar a cair fora de controle.
Depois, num barco, os motores fora de bordo são refrigerados pela água em que estão imersos, o que significa que a temperatura do líquido de arrefecimento é sempre baixa e o calor gerado pode ser dissipado rapidamente.
Isto não é o caso com motores terrestres de refrigeração líquida, que recirculam o líquido de refrigeração através de um radiador.
As temperaturas são controladas, mas o líquido de refrigeração atinge temperaturas elevadas, próximo do ponto de ebulição… se as passagens e as condutas de água não forem projetadas para lidar com essas temperaturas elevadas, vai haver problemas … E foi exatamente o que aconteceu com o motor König.
Por tentativa e erro, um sistema de radiador eficaz foi desenvolvido, bem como um sistema de refrigeração exclusivo para os cárteres. Normalmente, os motores de refrigeração líquida precisam apenas de refrigerar diretamente os cilindros e, às vezes, as cabeças.
Os dois tempos, no entanto, direcionam a sua carga de combustível através do cárter antes desta ser sugada para os cilindros. Se o cárter ficar muito quente, a carga de admissão ficará superaquecida e a potência gerada sofrerá.
Como o König era um problema nesse aspeto, Kim desenvolveu um cárter de magnésio inteligente, refrigerado a líquido, aparafusado ao fundo do motor para manter as temperaturas sob controle.
Esse reservatório, no entanto, interferia na colocação das janelas de escape na parte inferior do motor, de modo que os cilindros foram invertidos e os escapes foram apontados para cima, saindo ao lado das admissões.
Isso causou problemas de espaço, pois os carburadores Solex ocupavam o espaço entre os coletores de escape (acima)
As janelas de admissão totalmente verticais reduzidas também causavam problemas, já que a maioria dos carburadores de moto eram desenhados para ser montados lateralmente.
Isso exigiu o uso de unidades de diafragma Tillotson, projetados para uso em várias posições e usados nas Harley-Davidson e motos de neve, mas não em corridas de velocidade, o que significava um potencial de afinação limitado em comparação com as marcas mais populares de carburadores.
Apesar das desvantagens, uma vez os protótipos em funcionamento, e com o motor a produzir mais de 80 cavalos, a König 500 provou ser uma força com que contar.
Na época, era um projeto avançado que incorporava muitas inovações que mais tarde se tornariam padrão nas motos de pista de dois tempos, como indução por válvula rotativa, (acima) escapes de rendimento e panelas com câmaras de expansão.
As válvulas rotativas eram operadas através de um disco rotativo que separava o carburador na abertura do cárter. A cambota gira o disco, abrindo e fechando a janela e cronometrando com precisão a carga de admissão. O König usava um disco acionado por uma correia dentada que fazia uma curva de 90 graus do lado direito do motor sobre o cárter.
Newcombe imediatamente começou a trabalhar no motor e tornou-se o piloto de teste.
Já um piloto de motocross e speedway altamente creditado, Newcombe estava rapidamente à vontade em pista. Começando em 1971, na segunda temporada do Mundial, acabara no Top 10, com 2 outras König a pontuar, e no ano seguinte, já ficava no pódio ao lado de Giacomo Agostini e Phil Read, nas potentes e dominantes MV Agusta.
Uma façanha incrível, competindo contra as fábricas da época montado, efetivamente, num protótipo construído artesanalmente em casa.
Em 1973, Newcombe estava destinado a uma grande temporada, apenas ofuscado por Jarno Saarinen na Yamaha TZ500. Mas as mortes de Saarinen e Renzo Pasolini em Monza a meio da temporada lembraram a todos como era traiçoeira a corda bamba em que eles andavam de prova para prova.
Newcombe venceu o GP da Jugoslávia a seguir e liderava a tabela do Mundial de 500GP.
Depois veio Silverstone, onde o Kiwi ia participar numa corrida extra-campeonato. Kim tinha o hábito de percorrer a pista a pé antes de uma corrida e, achando uma determinada curva perigosa por causa de um solavanco à entrada e da presença de uma parede próxima da pista, pediu à organização que ai colocassem alguns fardos de palha…
O arrogante representante da Federação, Vernon Cooper, não só recusou, mostrando que nada tinham aprendido com a tragédia de Monza dias antes, mas ameaçou Kim de expulsão de voltasse a falar do assunto…
Assim, na corrida, Kim foi para a frente e liderava por uma boa margem numa König aumentada para 680cc, mas a velocidade extra da moto tornava os travões a tambor ainda mais inadequados.
À sexta volta, no final da Hangar Straight, eles sobre-aqueceram. Newcombe caiu na tal curva e colidiu com o tal muro, falecendo três dias depois.
Tinha 29 anos e, postumamente, ainda ficou em segundo lugar no Mundial de 500cc de 1973, entre Phil Read e Giacomo Agostini.
Quanto às König sobreviventes, são apreçadas peças de colecionador nos nossos dias.